As Cédulas do Novo Shekel

O povo de Israel tem muito orgulho de sua história e de seus personagens. As figuras bíblicas nomeiam as crianças. Os heróis de guerra e políticos dão nome às ruas. Os cientistas estão expostos nas paredes das universidades. Mas quem será que ilustra as cédulas do Novo Shekel, a moeda israelense?

A Origem do nome Shekel

Antes de nos aprofundarmos sobre os personagens que estampam o Novo Shekel, vamos entender brevemente de onde vem este nome.

O termo Shekel tem a mesma raiz do verbo Lishkol (לשקול) que significa pesar em hebraico. E ele recebe este nome exatamente pelo fato de na antiguidade ser assim que as pessoas realizavam os pagamentos. Não com moedas, mas com ouro, prata e afins, de acordo com seu peso em shekel, que seria a medida homóloga a grama na época.

Este uso do termo é tão antigo quanto as histórias da bíblia. Em Êxodo, por exemplo, temos a citação bem clara do termo, que em português traduzimos como siclo.

“Todo aquele que passar pelo arrolamento dará isto: a metade de um siclo, segundo o siclo do santuário (este siclo é de vinte geras); a metade de um siclo é a oferta ao Senhor” Êxodo 30:13.

Mas a presença do Shekel junto ao povo judeu não acaba nos escritos bíblicos. Aos poucos, a sociedade foi evoluindo e as moedas foram aparecendo. Dessa forma, os negócios poderiam ser realizados de maneira padronizada e sob o controle do governo. Logo, começaram a cunhar moedas com o termo Shekel e Meio Shekel, que já foram, inclusive, encontradas em pesquisas arqueológicas.

Shekel antigo
Moeda de Shekel, da Judeia do Séc 1 DC

Neste período, não se utilizavam cédula mas, ilustrações já eram observadas nas moedas cunhadas. Os Shekels dessa época apresentavam elementos locais, como romãs, e da religião, como a entrada do Templo, por exemplo.

As Moedas do Israel Moderno

Com o passar da história, como sabemos, os judeus perderam o domínio da região e, por conseguinte, pararam de cunhar suas moedas. Apenas após 1948, com a independência de Israel, o controle da produção de moedas passaria aos judeus novamente. Mas, mesmo assim, não de maneira tão rápida. Durante os quatro primeiros anos, Israel utilizava a Libra Palestina como moeda, dando continuidade à adotada pelos Ingleses. A única alteração foi nos designs das moedas cunhadas e das cédulas impressas.

A libra Palestina impressa pelo banco Leumi tinha uma cédula bem simples, com pequenos ornamentos gráficos, mas nenhuma imagem em nenhum de seus versos. O diferencial era que em cada uma de suas faces havia idiomas diferentes, um destinado aos fluentes em hebraico e o outro com caracteres em árabe e inglês. Inclusive, neste segundo, os algorismos eram também em árabe.

A Libra Palestina durou até 1952, quando a Lira Israelense foi adotada.

A Lira Israelense

Durante um intervalo de 28 anos, Israel teve a Lira Israelense como sua moeda. Até 1955, a cédula seguia o mesmo modelo adotado pela anterior, a Libra Palestina, com apenas pequenas alterações. Porém, posteriormente, a cédula teve quatro séries distintas homenageando locais, personalidades, políticos, a flora e, inclusive, os pioneiros do Estado de Israel.

Israel nunca teve em suas notas um rosto de um israelense nato.

Dentre os muitos homenageados, uma figura chama atenção. Albert Einstein, mesmo não tendo a cidadania israelense, estampou as notas de 5 Liras de 1972 a 1980. Esta mesma cédula, a partir de 76, também iria prestar uma homenagem a Henrietta Szold, importante líder sionista.

As cédulas israelenses
As cinco séries da Lira Israelense

No entanto, em 1980, com os israelenses querendo adotar uma moeda que tivesse um nome em hebraico, voltaríamos a ter o Shekel, depois de quase dois mil anos, circulando na região.

O Shekel

Em de fevereiro de 1980, começava a circular em Israel uma moeda homônima a que os judeus usavam na região séculos antes. Depois de grande movimentação popular para que a moeda local tivesse também um nome em hebraico, nada mais justo que estampa-la com ícones do Sionismo. Dessa forma, personalidades como Herzl e Montefiore passaram a circular de mão em mão entre os locais. As primeiras cédulas também faziam menções aos portões de Jerusalém e, posteriormente a outros símbolos judaicos e israelenses.

cédulas do Shekel
Cédulas do Shekel Antigo

No entanto, quis a hiperinflação que esta moeda não durasse por muito tempo. Em apenas cinco anos, a nota de dez mil shekels, com a estampa da antiga Primeira Ministra Golda Meir, já estava na rua. Isso foi o suficiente para uma reforma monetária.

Em 1985, entrava em circulação o Novo Shekel, esse que temos até os dias de hoje.

O Novo Shekel

Série A e B

Com a conversão de 1000 Shekels para 1 Shekel Novo, a nova moeda entrou em circulação. No entanto, a cédula que temos hoje não é a mesma de 35 anos atrás. Ao longo destes anos, ela já adotou três modelos nas Séries A, B e C; cada uma com um estilo novo e com a inclusão de novas tecnologias contra a falsificação.

O símbolo do Novo Shekel, ₪, representa o acrônimo de שקל חדש (Shekel Chadash), nome da moeda em hebraico.

A Série A circulou até 2000. Das sete cédulas, três eram quase iguais a nota anterior do Shekel Antigo, com pequenas alterações no valor nominal e no nome da moeda. Dessa forma, a homenagem a Golda Meir, Maimonedes e Levi Eshkol se estendeu por mais um período. As outras cédulas homenageavam além de políticos, o escritor Shmuel Agnon, vencedor do Nobel de Literatura. Esta já seria uma dica do que se veria mais a frente com a Série C.

Outros sete israelenses ganharam o Nobel além de Shmuel Agnon.

A Série B entrou em circulação em 1999. A grande diferença foi o fim das notas de um a dez Shekels Novos. Os personagens das demais cédulas continuaram os mesmos, contudo os mecanismos contra falsificações foram aprimorados.

Cédulas do Shekel
Sérieas A e B do Shekel Novo

Série C

Finalmente, em 2017, depois de anos de questões burocráticas, as cédulas que temos hoje entraram em circulação. No entanto, elas traziam estampadas novas personalidades. Desta vez, os homenageados eram apenas escritores e poetas Israelenses. Uma oportuna homenagem do povo do livro a alguns dos principais formadores da cultura local.

Hoje em dia, as cédulas israelenses são impressas em Zurique, na Suíça, pela gráfica Orell Füssli.

As personalidades

Quando as novas cédulas foram planejadas, houve uma grande discussão para saber quem iria as estampar. A dúvida era entre os políticos Theodor Herzl, David Ben Gurion, Menachem Begin e Yitzchak Rabin e os escritores e poetas.

A escolha por personagens públicos da política Israelense já era algo recorrente nas cédulas, mas a possibilidade de escritores foi uma novidade que muito agradou a população. Segundo o próprio Banco Central de Israel, essa ideia se deu pois moedas e notas não servem apenas como formas de pagamento, mas também como símbolo de soberania. E não há nada que represente mais a soberania de um povo sobre a sua terra que a cultura, a mesma que escritores e poetas ajudam a construir e disseminar.

Apesar de muito bonita a explicação do Banco sobre o motivo pelos quais os autores deveriam ser escolhidos, por fim, os políticos ganharam a batalha. Mas, o que caminhava à manutenção da rotina, sofreu uma grande reviravolta. A família de Begin não gostou da ideia de vê-lo estampando cédulas. E a manifestação pública contrária ao uso de sua imagem a este fim levou à escolha dos escritores.

Com essa escolha pelos poetas, algo muito interessante aconteceu. Depois de mais de 20 anos, novamente, cédulas locais voltaram a ter o rosto de mulheres a adornando. Depois de Golda Meir ter estampado as notas de 1985 a 1995, era a vez de Lea Goldenberg e Rachel Bluwstein terem esta honra.

A nova série do Shekel Novo, a Série C, obra da designer Osnat Eshel, apenas modificou o formato e os desenhos das cédulas, adicionando novas medidas de segurança, como podemos ver abaixo:

20 Shekels Novos

A cédula com o menor valor nominal, ilustrada com um rosto de Rachel Bluwstein (1890 – 1931), conhecida localmente como Rachel, a poetisa.

20 shekels

Nascida na cidade russa de Saratov, Rachel imigrou a Israel durante a sua juventude e morou por um tempo na cidade de Rehovot antes de se mudar para a fazenda feminina de Havat HaAlamor e, posteriormente, ao Kibutz Deganya, ambos as margens do Mar da Galileia. E foi exatamente o Kineret, nome em hebraico deste Mar, que inspirou um dos seus maiores poemas, homônimo a ele e que levou a designer a desenhar elementos à nota.

Com uma linguagem simples e sucinta, seu trabalho foi influenciado pela bíblia e literatura contemporânea, expressando seus amores, desapontamentos, dores e medos de uma vida curta, ceifada pela tuberculose, doença fatal em seu tempo. No entanto, seu amor por Israel é citado, com inúmeras referências a paisagens e locais.

A nota conta com duas referências aos poemas de Rachel. Uma com o poema “Mar da Galileia” escrito nas folhas da tamareira atrás da poetisa, e outra, no verso, com um trecho de outro poema, “E talvez”, em tradução livre, com a seguinte passagem “Oh meu Kineret, você estava lá ou eu apenas sonhei?”.

Abaixo, o poema Kineret musicalizado:

50 Shekels Novos

Shaul Tchernichovsky (1875 – 1943), nascido na Ucrânia, foi um dos grandes poetas em hebraico e tradutores durante a primeira metade do Século XX. Além disso, Shaul também exercia a medicina.

50 shekels

Durante a sua carreira como poeta, ele navegou por diversas culturas, explorando tanto influências judaicas, bíblicas e gregas em seu trabalho. Dessa forma, seu trabalho tornou-se um dos mais diversos na literatura hebraica. No entanto, algo marcante em muitas de suas obras é o amor a Israel. As ideias sionistas podem ser observadas em poemas como”Eu Acredito”, “Eles falaram que há um país” e “O meu país terra, minha terra natal”. A qualidade de seus poemas era tanta que levou muitos deles a serem musicados.

A nota de 50 Shekels que ele estampa não apenas faz referências às suas obras, como também apresenta um capital coríntio, por conta do seu interesse pela cultura grega. As citações encontradas nela são das obras “O meu país minha minha terra natal”, escrito nas folhas de um laranjeira, e “Eu acredito” com o trecho, em tradução livre, “pois ainda vou acreditar nos homens e em seu espírito, espírito feroz”, no verso.

Abaixo, o poema de nome Eu acredito musicalizado:

100 Shekels Novos

A outra mulher presente nas notas, Leah Goldberg (1911 – 1970), nascida em Kaliningrado, Rússia, imigrou a Israel logo após terminar seu doutorado em Linguística Semítica. Sendo uma grande estudiosa da língua hebraica, mesmo que essa não fosse a sua língua mãe, Leah entrou no hall da fama dos escritores locais.

100 shekels

Com uma poesia contemplativa e linguagem clara, sua obra lida com questões pessoais e, muitas vezes, cita paisagens israelenses. Ao mesmo tempo, ela traz muitas referências ao Holocausto e a vida na Europa.

Com inúmeras obras musicalizadas, a cédula homenageia uma delas com o poema “Na minha amada terra a amendoeira floresce”, em tradução livre, com trechos dele nas flores de amendoeira que ilustram a nota. Além disso, no verso, há presença de gazelas, em referência ao seu livro infantil “O que as gazelas fazem?” e a citação “dias brancos, como os raios brancos no verão” do seu poema “Dias brancos”.

200 Shekels Novos

Por fim, a última cédula é ilustrada com o escritor e jornalista Nathan Alterman (1910 – 1970). Nascido em Varsóvia, Nathan chegou em Israel em 1925 junto com sua família e desde cedo já mostrava ser um grande amante do hebraico, o que o ajudou a ganhar diversos prêmios de literatura ao longo de sua carreira. Em suas prosas e poesias, ele abordava temas diversos, contemplando assim em sua obra completa de conteúdos para crianças a prosas contemporâneas.

200 Shekels

Trazendo grandes revoluções ao recente Hebraico Moderno, a obra de Nathan é extensa e, como os autores anteriores, foi musicalizada diversas vezes. Para a nota de 200 Shekels Novos, no entanto, apenas dois poemas foram escolhidas, “Encontro Eterno” e “Música da Manhã”, ambos em tradução livre.

Ao fundo do retrato do autor, as folhas do outono são escritas com as palavras de “Encontro Eterno”, devido as referências que o poema faz à natureza, do mesmo modo que a Lua, no verso, também citada nesta obra. Já a citação, também presente no verso, “Nós amamos nossa terra natal, com alegria, música e trabalho”, é proveniente do poema “Música da Manhã”.

Abaixo, há uma versão musicalizada do poema “Música da Manhã”:

Polêmicas

Por fim, qualquer assunto de Israel não poderia passar sem nenhum tipo de polêmica. A primeira delas é por conta da homenagem ao autor Shaul Tchernichovsky. O Rabino Banzion Mutzafi disse que, pelo fato de Shaul ter se casado com uma mulher não judia, era uma heresia homenagea-lo numa nota de Israel.

Não somente isso, a sociedade Israelense criticou a escolha dos homenageados. Antes da divulgação dos nomes, o governo comentou que as cédulas estampariam autores oriundos do Leste Europeu e do Oriente Médio. No entanto, não foi o que ocorreu. Sem nenhuma representatividade, a comunidade de Judeus Orientais, que já é normalmente descriminada, sentiu-se muito ofendida.

Por fim, dentro da ala mais extremista dos judeus religiosos, a imagem de mulheres nas notas causava desconforto. Era comum encontrar cédulas de 20 e 100 com os rostos das autoras rasurados. Felizmente, este já não é mais um problema e as notas já circulam com total aceitação.

Agora comente aí. Quais desses autores você já conhecia? E qual você ficou com vontade de descobrir um pouco mais sobre a sua obra. Infelizmente, não há muitas traduções disponíveis ao português, mas isso também te dá uma ótima oportunidade de aprender um hebraico do mais alto nível!

Ilan Administrator
Guia de Turismo

Em Israel desde 2018, é nativo do Rio de Janeiro. Guia de turismo formado, tenho formação em Biologia e Marketing. Apaixonado por Israel e pela Natureza

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