Os nomes de Jerusalém

Jerusalém é uma das cidades mais antigas do mundo. Já esteve sob o controle de diversos reinos e crenças. Ao mesmo tempo, é sacra para inúmeras fés, inclusive algumas que já não existem mais. Dessa forma, é natural que Jerusalém seja uma cidade de muitos nomes, afinal, cada povo a chamava de um jeito especial.

Em hebraico, Jerusalém é conhecida como Yerushalaim. Para evitar confusões, este será o termo que usaremos para nos referir a cidade.

No entanto, será que é possível entender a origem desses nomes a partir de relatos históricos, bíblicos e arqueológicos? Isso é o que descobriremos abaixo.

Conhecida como o Centro do Mundo, Yerushalaim recebe muitos de seus nomes e alcunhas a partir de seus atributos naturais, religiosos e políticos, por exemplo. Contudo, a história e origem de seus nomes é quase tão complexa quanto a história da própria cidade, e, muitas vezes, ambas estão intrinsecamente atreladas.

As primeiras menções ao nome

Como tudo na região, este tópico não poderia ser livre de controvérsias. O primeiro registro arqueológico que se tem, a qual apenas alguns arqueólogos identificam sendo Yerushalaim, remonta ao Século 19 AC, ou seja, há mais de 4 mil anos!

Ele aparece numa lista egípcia de inimigos do faraó e seu nome teria pronuncia similar Rushalimum. Contudo, nem todos arqueólogos acreditam que esta seja uma referência a cidade de Yerushalaim. Um consenso maior existe sobre uma citação, 500 anos depois, presente nas cartas de El Amarna. Nessa inscrição, há o nome de Ursalim. A tradução para ambos nomes seria Fundada por Salém, o Deus Caaneu do por do Sol.

Um nome similar, Ursalimmu, volta a aparecer em registros arqueológicos quando o rei Senaqueribe refere-se a cidade, já sob os comandos do Rei Ezequias, em 701 AC.

Rushalimum
Rushalimum, Jerusalém de acordo com os hierogrífos egípcios

As primeiras menções na bíblia

O nome Yerushalaim, como conhecemos hoje, não é citado no Pentateuco. São inúmeras referências, com diferentes alcunhas à cidade, mas nunca temos o seu nome grafado tal como atualmente. O mais próximo que chegamos é Salém, em Gênesis 14:18, a cidade de Melquisedeque.

Ao longo dos outros livros do Velho Testamento – Escritos e Profetas -, as citações à cidade por seu nome já começam a aparecer com mais frequência, acontecendo em quatro formas. Jebus, Sião, Yerushalem (ירושלם – Como no Salmo 122) e Yerushalaim (ירושלים – grafia utilizada hoje em hebraico). Nota-se que há uma grande similaridade nos dois últimos, apesar de ambos, na versão traduzida, estarem como Jerusalém. Pesquisadores acreditam que Yerushalem seja a uma versão arcaica do nome atual da cidade.

A Septuaginta

Muitos anos se passaram, e o nome da cidade continuou como Yerushalaim. Foi quando, no Sec II AC, seu nome conheceu uma nova versão, a partir de sua tradução ao grego. Esta, mais próxima da maneira como o grafamos hoje em dia, na maioria das línguas ocidentais. Apesar disso não mudar em nada como os residentes se referiam à própria cidade, é a partir desse vocábulo que teremos o nome Jerusalém, como conhecemos em português.

Com a requisição do Faraó Ptolemáico Ptolemeu II Filadelfo, de um reino helenístico situado no Egito, os livros do Velho Testamento foram traduzidos ao grego, resultando o que conhecemos hoje como Septuaginta.

Neste compêndio, aparece então o nome Hierousalim (Ἱερουσαλήμ), que já podemos notar que muito se aproxima de Jerusalém. No entanto, é a partir deste nome que temos uma das paretimologia mais famosas relacionas à cidade, indicando sua santidade já em seu nome.

O termo grego para sagrado, ἱερός (Hieros), muito se parece com o prefixo de Ἱερουσαλήμ, porém, apesar de muito lógica, esta afirmação é equivocada. Seu nome foi adaptado ao grego por conta de sua sonoridade e não pelo seu significado. Ou seja, esta versão de seu nome não faz menção a nenhuma santidade do local.

Muitos anos depois, o termo Hierousalim foi adaptado ao latim para Hierusalem, que posteriormente, em francês, se tornou Ierusalem. Nesta época, a letra “j” não existia. O “i”, ao iniciar a frase, que tinha este som. Foi somente no Sec 17 DC, com o desenvolvimento dessa nova letra, o “j”, que grafou-se, pela primeira vez, o nome da cidade como conhecemos hoje em português, Jerusalém.

No entanto, durante esses 19 Séculos, muita coisa mudou, inclusive, é claro, como a cidade era chamada pelos seus cidadãos.

A Yerushalaim romana.

No início do Sec 1 DC, os judeus já não tinham mais a autonomia conquistada anos antes. Submissa aos romanos, Yerushalaim não tinha mais seu templo, mas, ainda mantinha algo muito importante, seu nome.

Contudo, essa situação mudaria em breve.

Entre os anos de 132 e 136, liderados por Simão Barcoquebas, os rebeldes judeus conseguiram vitórias expressivas contra os romanos, liderados por Adriano. No entanto, no final, a Terceira Revolta Judaica acabou derrotada.

Por mais que tenha saído vitorioso da batalha, Adriano estava irado com o povo judeu, que por algum momento, conseguiu reaver o poder sobre Yerushalim. Dessa forma, visando acabar com a cidade da forma mais cruel possível, Adriano mudou o nome da cidade para Aelia Capitolina. Ele não poderia escolher nome mais desonroso para a futura capital de Israel.

A cidade, santa para as duas das maiores religiões monoteístas da época, agora homenageava Júpiter, um Deus pagão.

O nome, pensado de maneira cruel e com o intúito de deixar uma marca na cidade, lembrava a todos quem a reconquistou, destruiu e a quem se creditava a vitória. Aelia fazia referência ao primeiro nome de Adriano, Aelius, enquanto Capitolina homenageia o Templo de Júpiter no Monte Capitolino, em Roma.

E a cidade permaneceu com esse nome por longos 188 anos.

Foi apenas em 324, com Constantino, o Grande, que a cidade retorna ao seu nome anterior, agora com a sua versão latina, Hierusalim.

Um novo governo, um novo nome

Depois de mais de 300 anos quase ininterruptos de controle, os romanos bizantinos perderam a cidade de Yerushalaim, em 638, aos árabes muçulmanos, recem chegados ao cenário mundial.

Para os Muçulmanos, Yerushalaim também é sagrada. Além de ter sido a primeira orientação das suas preces, o Hadith, conjunto de histórias fora do Corão, diz que foi na cidade que Maomé subiu ao céu depois de sua jornada noturna. Isso muito influenciou na maneira como ela iria passar a ser conhecida por este povo.

É também no Hadith que aparecem duas denominações à cidade. Īlyā, uma corruptela do antigo nome romano da cidade, Aelia, e Bayt al Maqdis. Este segundo, para quem entende hebraico pode soar familiar, e não é à toa. Este nome é também outra corruptela, mas oriunda da palavra em hebraico Beyt HaMikdash, ou seja, o Templo Sagrado.

Esta informação é de extremo interesse até os dias de hoje, pois muitos deslegitimam a presença histórica dos judeus em Yerushalaim. Contudo, a própria tradição islâmica já comprova, através do nome, Bayt al Maqdis, a sua importância e a presença dos judeus no local em tempos remotos.

Mais um nome árabe

Com o passar dos anos e o fortalecimento do domínio islâmico na região, principalmente com os Omíadas, Yerushalaim foi criando, cada vez mais, relevância dentro da religião.

No final do século 7 o Domo da Rocha já estava construído em Yerushalaim, bem como, no início do Século 8 a Mesquita de Al Aqsa. Dessa forma, muitos peregrinos muçulmanos começavam a chegar em peregrinaçóes, elevando cada vez mais a sua importância.

Esta santidade da cidade, que os muçulmanos reconheciam como importante também para as suas outras duas religiões monoteistas – judaismo e cristianismo –, fez surgir um terceiro nome árabe, sendo ele o mais conhecido nos dias de hoje, Al Quds.

Al Quds não significa nada mais do que A Sagrada e, desde o Sec 9 os árabes, muçulmanos ou não, a conhecem dessa forma. Inclusive nos dias de hoje.

O Retorno às Origens

O domínio islâmico da região foi um dos mais duradouros da história. Com uma breve passagem sob controle dos Cruzados – que não mudaram apenas o nome, mas também o status de Yerushalaim, transformando-a de cidade em reino -, o nome Al-Quds permaneceu oficial até 1917, quando os britânicos conquistam a cidade e passaram a chama-la por seu nome em inglês, Jerusalem.

Seu nome oficial retorna a ser em hebraico em 1948, com a independência do Estado de Israel. Depois de quase dois milênios sob o domínio de extrangeiros, a cidade retorna aos judeus e, com isso, ao seu nome de Yerushalaim. Contudo, a cidade não está completa. A parte Oriental encontra-se sob o domínio do Reino da Jordânia.

Quando Yerushalaim Oriental passa a fazer parte do território jordaniano, após a independência de Israel, esta região da cidade volta a ser chamada oficialmente de Al Quds, seu nome árabe. Dessa forma, por um período, temos uma cidade dividida, com cada parte tendo um nome diferente.

No entanto, a situação permaneceu dessa forma por um breve período. Em 10 de Junho de 67, com o final da Guerra dos 6 dias, Israel volta a ter o controle integral sobre a cidade, que retoma seu nome bíblico por completo.

Significado de Yerushalaim

Estudando sobre o nome da cidade, navegamos pela história de Yerushalaim. No entanto, não respondemos a uma questão. Qual seria o significado deste nome, Yerushalaim?

Para muitos cientistas, o nome Yerushalaim é uma corruptela dos primeiros nomes do local, como Ursalim, isto é, fundada por Salém. Contudo, esta não é uma opinião que agrade aos judeus. Ter a sua capital com um nome em homenagem a um Deus pagão não é algo que soe razoável.

Aprenda um pouco mais sobre a Guematria, a numerologia judaica.

Dessa forma, dentro da comunidade judaica, é muito comum ouvir uma explicação de que o o prefixo Yeru é oriundo da palavra Yir, que em hebraico significa cidade, e o sufíxo, shalaim, se refere a palavra Shalom, isto é, paz. Com isso, o significado do nome, em hebraico, seria Cidade da Paz.

Outro significado

No entanto, para outros judeus, há uma explicação muito mais profunda ao nome, que remete ao livro de Gênesis. Segundo esta interpretação, é preciso analisar a passagem de Gênesis 22:14 em hebraico. Nela Abraão chama o local onde iria sacrificar seu filho, Jacó, hoje conhecido como Monte Moriah, como o Senhor proverá, de acordo com algumas versões da bíblia em Português. Em hebraico, usa-se o termo yireh, ou seja, verá, em tradução literal.

Depois de termos em mente esta palavra, é preciso retornar alguns capítulos, até Gênesis 14:18, quando temos a informação de que Melquisedeque era o rei de Salém, região onde se localizava o Monte Moriah. Dessa forma, ao juntar os dois termos, Yireh e Salém, teríamos o nome para a cidade, Yirehsalem, que se tornaria, posteriormente, Yerushalayim.

Outros nomes na tradição judaica

Ao longo da história, foram inúmeras as formas as quais as pessoas se referiam a Yerushalaim, não apenas a partir de nomes oficiais, mas principalmente, a partir de atributos que realçavam suas virtudes. Por exemplo, segundo a tradição judaica, são, no total, 70 nomes que você pode utilizar para se referir a cidade, muitos desses citados na bíblia, inclusive. A diversidade é tanta que até música para celebrar a variedade de nomes de Jerusalém já foi composta, como você pode escutar a seguir:

Abaixo, deixo uma pequena listagem com alguns destes nomes:

Virgem X Prostituta

Chamar Jerusalém de Virgem, Lamentações 1, é compreensível. Mas por qual motivo prostituta, em Ezequiel, 16?

Esse nome não é por conta da cidade em si, mas sim de seus habitantes que praticavam a idolatria. Eles que se deixavam levar por muitos Deuses, tal qual uma prostituta é levada por muitos homens.

Ariel, Isaias 29

Ariel, em hebraico, significa Leão de Deus. Não à toa, um dos símbolos da cidade Jerusalém é um Leão.

Mulher Estéril, Isaias 54:1

Este nome está dentro de uma profecia sobre o retorno dos judeus a cidade. Isto é, depois que os judeus foram expulsos de Jerusalém, ela só se tornaria fértil novamente com o retorno dele.

Umbigo do mundo

Este nome surge junto com a tradição que diz que foi por Jerusalém, no Monte Moriah, que Deus teria começado a criar o mundo. Com isso, Jerusalém não seria apenas o centro, mas também por onde o cordão umbilical se conectava, alimentando a toda a Terra ao longo de seu desenvolvimento.

Cidade de Ouro

O apelido Yerushalaim shel zahav (Jerusalém de ouro) foi eternizado pela música abaixo, cantada por muitos intérpretes, como Roberto Carlos.

Em suma, a história dos nomes de Yerushalaim muito se mistura com a história da própria cidade. E, ao mesmo tempo que são inúmeras as formas de você chamá-la, são infinitas as formas de você se apaixonar por ela.

Agora que você já sabe sobre os nomes de Yerushalaim, que tal aprender sobre mais temas relacionados:

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Em Israel desde 2018, é nativo do Rio de Janeiro. Guia de turismo formado, tenho formação em Biologia e Marketing. Apaixonado por Israel e pela Natureza

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