O que é alfarroba

Ao caminhar por Jerusalém, podemos aprender sobre a bíblia até nos canteiros. Inúmeras plantas citadas tanto no Novo quanto no Velho Testamento podem ser vistas na região, adornando ruas, quintais e jardins. Um bom exemplo é a Alfarrobeira (Ceratonia siliqua). Mas você sabe o que é uma Alfarroba?

Por mais que não seja citada de maneira explícita, os teólogos entendem que referências a esta árvore, também conhecida como Pão de São João, encontram-se em duas passagens do Novo Testamento.

A Alfarroba é da família Fabaceae, a mesma do feijão, da soja e da Árvore de Judas.

No entanto, antes de chegar nas questões bíblicas, é importante que conheçamos bem esta planta.

O nome Alfarroba

Apesar de ter nomes com referências bíblicas, como o já citado Pão de São João, e também relacionados as suas características e a sua origem, como Figueira do Egito, a árvore é conhecida principalmente pelo nome Alfarrobeira, por conta de seu fruto Alfarroba, uma corruptela de seu nome em árabe “Kharoub“. Contudo, esse nome em árabe é oriundo do Hebraico “Charuv” (חרוב), que faz menção ao formato de sua vagem similar ao de uma espada, “Cherev” (חרב), em hebraico.

E é em torno desse legume que toda a história e importância da planta se passa. Com um comprimento de 10 a 20 cm, essa fava comestível contém um líquido adocicado chamado por muitos como mel de alfarroba. O curioso, contudo, é que você não irá encontrar a alfarroba em todas as árvores.

A Alfarrobeira é uma árvore peculiar. Ela tem três diferentes sexos. Na natureza há machos, com flores e sem frutos, e também fêmeas e hemafroditas, ambas com frutos e flores.

Os frutos oriundos de árvores fêmeas têm um sabor de melhor qualidade.

É muito fácil encontrar esta fava na árvore ao longo do ano, já que ela tem um processo de maturação de 11 meses, terminando, normalmente entre agosto e setembro. Assim, essa grande disponibilidade do fruto favorece o seu uso, sendo ele muito diverso, desde os tempos bíblicos.

Os usos da Alfarroba

Um dos primeiros usos registrados à alfarroba foi à alimentação de rebanhos. Pelo fato de o Oriente Médio ser uma região árida, muitas vezes os pastores tinham que oferecer aos seus animais algo para substituir as pastagens, quando elas não estavam disponíveis. O Pão de São João era sempre uma possível escolha.

O poema mesopotâmico A Epopeia de Gilgamesh, uma das primeiras obras de literatura do mundo, faz menção à Alfarroba

Porém a Alfarrobeira sempre ofereceu muito mais que comida ao gado. Os Egípcios utilizavam suas folhas e cascas da árvore, ricas em tanino, no processo de curtição do couro e mumificação; sua madeira dura à fabricação de ferramentas; suas favas para a produção de bebidas alcoólicas fermentadas, produzidas até hoje; e as sementes avermelhadas em colares e adereços.

Ainda em relação as sementes, um dos seus principais usos na antiguidade tem reflexos até o dia de hoje. Cada semente tem um peso muito próximo a 0,2 g e, desde daquela época, já se notava uma padronização nesse valor. Dessa forma, foi natural o seu uso como escala nas pesagens.

Com o passar do tempo, este valor de 0,2 g foi adotado como o peso padrão para o quilate das pedras preciosas, parâmetro usado até hoje. Ou seja, teoricamente, um diamante de cinco quilates tem o mesmo peso de cinco sementes de alfarroba. O nome quilate, inclusive, é oriundo do nome da alfarroba em grego, Keration,

Nos dias de hoje, ainda continuamos a nos beneficiar da Alfarrobeira. Da sua semente retira-se uma goma destinada a indústria têxtil, alimentar e farmacêutica, por exemplo. No entanto, o principal uso da vagem, desde os tempos mais remotos, até o dia de hoje, continua sendo a fins alimentícios. E referências a este uso da planta estão presentes inclusive no Novo Testamento.

A Alfarroba no Novo Testamento e na mitologia Cristã

Por mais que o termo Alfarroba ou Alfarrobeira não seja encontrado nas versões originais da bíblia, a maioria dos teólogos acreditam que ela seja citada em dois momentos no Novo Testamento. E apenas nele. Essa restrição, endossada por botânicos e arqueólogos, se dá pelo fato desta árvore ter sido trazida à região pelos Romanos.

Este debate ocorre devido as traduções equivocadas da bíblia e se debruça sobre duas passagens, em Mateus e Lucas.

Em Mateus 3:4, lemos que a dieta de João Batista se baseava em Gafanhotos e mel silvestre. No entanto, por mais que segundo Levíticos, 11 este animal respeitasse as leis da dieta Kosher, seguida por João, há uma outra explicação que se enquadraria muito melhor.

A palavra gafanhotos em hebraico, Chagavim, é similar a alfarrobas, Charuvim. Não somente isso, como vimos anteriormente, até os dias de hoje retiramos da fava um líquido chamado de mel de alfarroba. Além disso, a Alfarrobeira também é conhecida como Árvore do Gafanhoto, por conta do formato de suas vagens e como se prendem na árvore, como o animal. Estas informações, mais o tradicional nome da árvore como Pão de São João, levam os pesquisadores a identifica-la como o real alimento de João Batista.

A outra referência aparece em Lucas, 15:16. Na parábola do Filho Pródigo, por mais que venhamos a encontrar nas versões atuais da bíblia a clara menção às vagens da alfarrobeira, o original refere-se apenas como vagens. Em suma, a parábola conta que o filho pródigo, quando num campo de pobreza espiritual e social, deseja comer as mesmas vagens que está alimentando os porcos para não morrer de fome.

O interessante é que hoje em dia, temos o conhecimento de que os pastores realmente alimentavam, como ainda alimentam, seus animais com estas favas, principalmente em períodos de seca.

A Alfarrobeira no Antigo Testamento e na Mitologia Judaica

A relação da alfarroba com o judaismo é relativamente recente. No Velho Testamento, são poucas as menções que alguns teólogos relacionam com a árvore. Uma delas, em Reis 2, 6:25, dizem que o esterco de pomba poderia ser uma referência à alfarroba. No entanto, poucos concordam com tal teoria e, como mencionado previamente, a presença da árvore na região, antes do Segundo Templo, é refutada pela ciência.

A presença da fava na mitologia judaica começa a ficar mais forte a partir de Rav Shimon Bar Yochay e do Talmud e, até nos dias de hoje, tem seus significados em Israel.

Shimon Bar Yohay

Um dos principais rabinos da história judaica, Shimon Bar Yohay, autor do Zohar, livro que orienta o misticismo judaico, tem a sua história intrinscicamente ligada a alfarrobeira.

Vivendo em Israel após as tensões da Terceira Revolta Judaica, este discípulo do Rabino Akiva, escondeu-se por 13 anos numa caverna fugindo dos Romanos. Neste período, ele se dedicou, junto ao seu filho, ao estudo do judaismo. Ao longo dos anos, eles se alimentavam da alfarrobeira que, por um milagre, cresceu na entrada da caverna, junto a uma fonte de água. Dessa forma, tanto o rabino quanto o seu filho, conseguiram se dedicar inteiramente aos seus estudos.

Devido seu sabor adocicado, utiliza-se a fava como substituta ao chocolate, principalmente em receitas e dietas veganas.

Até nos dias de hoje, em homenagem ao Rabino, judeus costumam comer alfarroba ou seus derivados no dia do falecimento dele, que coincide com a festividade de Lag BaOmer.

Tu b’Shvat

Um outro momento do ano em que, tradicionalmente, os judeus comem alfarroba é durante a festa de Tu b’Shvat, dia 15 do mês Shvat, o ano novo das árvores, seguindo o calendário judaico.

Há quatro anos novos no calendário judaico.

O hábito de comer esta vagem remonta aos tempos do Templo de Jerusalém e as colheitas. Naquele período, uma vez por ano, o fazendeiro deveria separar uma porção de sua colheita aos Sacerdotes, aos pobres e para ser comida em Jerusalém.

A data que marcava o término e início do ano da colheita era o Tu b’Shvat, e a partir dela, se calculava quantos e quais produtos deveriam ser destinados a este fim. O problema surge pois alguns frutos, como a Alfarroba, começam a crescer um pouco antes desta data e estão prontos a colheita muito tempo depois. Para solucionar esta questão o Talmud, o compêndio de leis rabínicas, orientava como se proceder. Em suma, a colheita desses frutos contabilizaria ao ano seguinte.

Dessa forma, surgiu uma tradição de se alimentar desses frutos exatamente na data que celebramos o Ano Novo das Árvores. Como resultado, até hoje alguns judeus mantém a cultura de se alimentar com alfarroba em Tu b’Shvat.

Talmud

O maior número de referências à alfarroba, dentre todos os livros sagrados, encontra-se no Talmuld. As citações mais diversas aparerecem nesse que, em síntese, é um compilado de leis rabínicas escrito após a destruição do Segundo Templo.

A mais famosa de todas encontra-se no Taanith 23a. Em suma, nessa história, o sábio Honi se questiona sobre a possibilidade de se continuar sonhando com algo por 70 anos, período entre a destruição do Primeiro Templo e a reconstrução do Segundo. Neste momento, ele observa um senhor plantando uma alfarrobeira, árvore que demoraria também 70 anos para começar a dar frutos. Ao questionar o motivo dele estar a plantar esta árvore, o senhor responde: “Encontrei este mundo plantado com alfarrobeiras. Assim como meus antepassados plantaram para mim, vou plantar aos meus descendentes”. A história continua com Honi dormindo por 70 anos e, ao despertar, encontrando o neto do senhor que havia plantado a árvore colhendo os frutos. Posteriormente, ele é confrontando por quem não acreditava que ele continuasse vivo.

Apesar desta história ser relacionada com a reconstrução do Templo e assuntos teológicos bem mais profundos, usualmente, ela é contada quando se quer passar uma mensagem sobre altruísmo. Ela também ensina que fazer o bem às pessoas é algo que você pode continuar fazendo, mesmo que não esteja mais presente neste mundo, a partir dos ensinamentos que você deixou. Ou seja, das árvores que você plantou.

Israel Moderno

Fora do universo religioso também é possível encontrar onde a alfarrobeira se conecta com Israel e, principalmente, os judeus.

No Museu do Holocausto de Jerusalém, o Yad Vashem, os justos entre as nações, isto é, pessoas que salvaram os judeus durante o Holocausto, têm uma árvore plantada em seu nome como homenagem. As espécies de árvores escolhidas foram exatamente aquelas que se mantêm verdes o ano inteiro, tal como a alfarrobeira. Dessa forma, ao visitar o Museu, pode-se passear por um grande jardim com inúmeras alfarrobeiras, cada qual homenageando uma pessoa que arriscou a sua vida, e a de sua família, para salvar pelo menos um judeu.

Mitologia islâmica

O Islã foi uma religião que se desenvolveu no Oriente Médio e, por ter também grande influência do Judaismo e Cristianismo, a presença de elementos encontrados na região e nas outras fés é algo esperado. Dessa forma, não é surpreendente que a Alfarrobeira também esteja presente de alguma forma em suas tradições.

Talvez a história mais importante relacionada a alfarrobeira seja com o profeta Zacarias, um profeta que herda características tanto do homônimo do Velho Testamento quanto do pai de João Batista. Nesta história, Zacarias, enquanto fugia de seus perseguidores, se escondeu dentro de uma alfarrobeira que se abriu, milagrosamente, para ele entrar. No fim da história, Zacarias torna-se um mártir ao ser morto dentro da árvore.

Outra tradição diz respeito ao sonhos. Segundo o famoso interpretador de sonhos muçulmano do Sec 8, Ibn Sirin, sonhar com as sementes de alfarroba indicava a morte ou a doença de alguma pessoa. Sonhos relacionados com a planta indicavam destruição e perdas.

Por fim, seguindo a tradição persa, transcrita por Jalāl ad-Dīn Muhammad Rūmī no livro Masnavi no Sec XIII, a alfarroba está presente numa lenda conhecida como “A história do crescimento da Alfarroba“. Esta lenda, em suma, diz que um dia Salomão, ao passear no Monte do Templo, encontrou uma alfarrobeira crescendo no local. Ao conversar com a planta ele percebe que seus dias estão próximos do fim e toda uma discussão teológica começa em seguida. No entanto, como diz também as interpretações de Ibn Sirin, uma das mensagens que o texto passa é de que a Alfarroba seria o sinal da desgraça.

A Alfarroba no Islã moderno

Atualmente, no Islã, não somente em Israel como no mundo, a Alfarroba aparece presente de outras duas formas dentro da cultua. No entanto, sem a relação com desgraças e perdas mencionadas pelos escritos anteriores.

Ao fim do Ramadã, na festa de Eid Fitr, muitas famílias muçulmanas tomam do suco da fava. Além disso, suas sementes de cor avermelhadas servem como contas no Masbaha, um instrumento religioso muçulmano similar ao terço.

Conhecer mais sobre a Masbaha.

Como preparar a alfarroba?

Além do pó da alfarroba que já vem processado e está disponível em muitos mercados, você pode consumir a fava direto do pé ou prepara-la de maneira muito simples para uso em receitas e outros fins.

A vagem precisa cozinhar em água fervente de 10 a 20 minutos. Após este período, ela precisa descansar nesta água por um período de uma a duas horas. Já estando bem mais moles, é preciso abri-la e retirar a semente, que não é comestível. A partir daí você pode comer a fava pura. Outra opção é fazê-la como fruta seca, usar como adoçante ou em alguma receita. Bem simples, não?

E ai, o que achou? Na sua próxima viagem a Israel não deixe de procurar por uma Pão de São Pedro. Pergunte ao seu guia por ela. Tente provar deste alimento da época de Jesus.

A Bíblita também cita outras árvores em suas passagens. Conheça a Oliveira, a Tamarigueira e o Zaatar

Ilan Administrator
Guia de Turismo

Em Israel desde 2018, é nativo do Rio de Janeiro. Guia de turismo formado, tenho formação em Biologia e Marketing. Apaixonado por Israel e pela Natureza

follow me

8 Comentários




  1. Então pelo que eu entendi , João Batista não comeu o gafanhoto e sim alfarroba que é a vagem ? Gostei da conclusão , aguardo resposta valeu

    Quero saber de mais assuntos relacionados a bíblia

  2. Author

    Olá, Marcelo!
    Infelizmente, não há como se ter a completa certeza se João Batista se alimentava de Alfarroba ou de Gafanhoto. O que existem, são interpretações com base nos conhecimentos.
    Dessa forma, mesmo tendo uma espécie de gafanhoto que é permitida à alimentação dos Judeus (João Batista, tal como Jesus, era judeu), especialistas acreditam que a alimentação dele se deu com a alfarroba, pelos motivos indicados no texto.
    No site você encontra muito mais sobre temas bíblicos.
    Forte abraço!




Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *