Laranjas de Jaffa

Se na Bíblia, Israel é conhecido como a Terra que emana Leite e Mel, por um período de quase 100 anos, num passado recente, ele poderia ter sido chamado a Terra que exporta Laranjas. Contudo, não quaisquer Laranjas, e sim as famosas Laranjas de Jaffa que, por muito tempo, eram tão famosas quanto a Coca-Cola, por exemplo, levando ao excêntrico caso de falsificações de Laranjas no norte da Escócia em 1928.

A Origem das Laranjas de Jaffa

Por mais que a musa inspiradora só tenha brotado num pomar em meados do Século XIX, a história da Laranja em em Israel é milenar.

A primeira Laranja, da variedade Laranja da Terra ou Azeda (Citrus aurantium) chegou na região no Sec VII, com os conquistadores árabes, mas não chegou a se tornar tão popular na região. O gosto pela fruta só começou a se difundir nos séculos XV e XVI com a chegada dos mercadores portugueses, conduzidos por Vasco da Gama, que introduziram uma variedade mais doce na região, a Laranja (C. sinensis). Porém, somente em 1844, no pomar de Anton Ayub, iria brotar um ramo de onde nasceria uma Laranja diferente, a furutamente, seria conhecida como a Laranja de Jaffa, ou Shamouti, pelos locais.

Um dos nomes da Laranja em árabe é Burtaqal, em referência a Portugal – para os locais, seu país de origem – tendo em vista que nesta língua semítica não há o fonema P, sendo substituido pelo B.

Em pouco tempo, esta fruta, com características únicas e sabor diferenciado, foi conquistando seu espaço no mercado interno e internacional, estando, inclusive, segundo reportes consulares britânicos, a estar na mesa da corte da famosa Rainha Victória, bem como, servindo, posteriormente, astros como Ingrid Bergman e Louis Amstrong.

Mas, o que tinha esta Laranja de tão especial?

As principais características das Laranjas de Jaffa

Laranja de JaffaAo começar a brotar num pé do pomar do Sr. Ayub, a Laranja de Jaffa chamou sua atenção por sua cor laranja forte, sua forma ovalada, tamanho um pouco maior que o tradicional, além de, internamente, terem poucas sementes, uma casca firme e grossa e um sabor bem adocicado.

Intrigados e fascinados com esta nova variedade, os enxertos desta árvore começaram a se espalhar pela região.

E o período de aparecimento desta Laranja não poderia ser o mais propício. Com o desenvolvimento da Revolução Industrial e as máquinas a vapor começando a ser instaladas nas embarcações – proporcionando viagens mais rápidas -, estas características favoreciam, e muito, a exportação deste bem ao seu principal centro consumidor, a Europa.

O Nascimento da Marca Laranjas de Jaffa

Como nada acontece por acaso nesta região, outro grande responsável pelo sucesso deste fruto cítrico também aportava no local contemporaneamente.

TemplariosImigrantes Cristãos Alemãs, conhecidos como Templários, munidos de toda a tecnologia e conhecimento agrícola que era escasso na região, chegavam em barcos para fundar a sua Colônia de Sarona, hoje na região de Tel Aviv-Jaffa, e não muito longe dos pomares da então, somente Jaffa.

Ao se depararem com o grande potencial da fruta, que já era a principal força motriz da economia local, resolveram investir nela também, tanto na sua produção, como criando, na Década de 70 do Século XIX, uma firma de exportação da Laranja Shamouti que, a partir de então, começaria a chegar na Europa com a marca Laranja de Jaffa.

A escolha do nome não foi à toa. Estes fieis cristãos condensaram numa marca o nome de uma famosa cidade bíblica que já hospedou ilustres visitantes, como Pedro e Jonas, com a localização geográfica de sua produção. Um nome forte, cativante e fácil e que iria perdurar por anos, mesmo com o fim do período de ouro desta fruta.

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Todo este trabalho dedicado ao desenvolvimento desta cultura trouxe frutos, não somente à Região de Tel Aviv, como também para todo o Levante. Com a demanda aumentando na Europa e a no Norte da África pelas Laranjas de Jaffa, a variedade Shamouti começou a ser plantada também no Chipre, Líbano e Turquia, porém, em nenhum destes locais tinha nem a marca Laranjas de Jaffa ou a qualidade tanto da fruta quanto na produção que os produtos oriundos da Terra Santa.

Junto ao porto de Jaffa, era normal ver galpões dedicados ao empacotamente individual de cada fruta numa folha de papel devidamente carimbada com a famosa marca e filas e mais filas de camelos, cada um trazendo em média 60 quilos de frutos das lavouras.

Por um bom período de tempo, além de movimentar a economia, as Laranjas de Jaffa serviam como amálgama entre os árabes que habitavam a região, então parte do Império Otomano, e os imigrantes judeus que, posteriormente iriam fundar o Estado de Israel.

O Desenvolvimento das Laranjas de Jaffa até 1948

De maneira quase que exponencial, a cada ano, o volume de Laranjas exportadas só aumentava. Se na Década de 40 do Século XIX anualmente se exportava aproximadamente 200 mil laranjas, no final da Década de 70 este número já passava dos 38 milhões de unidades. Na véspera da Primeira Guerra mundial, mais de 1,3 Milhões de caixas de Laranja foram vendidas, cada uma com dezenas de laranjas dentro.

A produção era tamanha que viajantes europeus, ao aportarem no Porto de Jaffa no final do Século XIX eram confrontados com um enorme mar verde de pomares margeando a costa local ao ponto de dedicarem notas em seus diários sobre o fato, bem como a grande fortuna dos proprietários destas terras, principalmente ricos comerciantes árabes e nobres Otomanos, enquanto que os pequenos fazendeiros que não tinham condições de fazerem grandes investimentos.

Entretanto, a dinâmica de produção das Laranjas de Jaffa iria começar a mudar com a chegada das primeiras levas migratórias dos Judeus, principalmente fugindo das perseguições da Europa no fenômeno conhecido como as Aliot.

A relevância regional do comério era tanta que muitos árabes também imigraram à região, principalmente do Leste e Sudeste do Mediterrâneo em busca de emprego nas lavouras.

O início da participação judaica

Quando os primeiros imigrantes judeus começaram a chegar na região, já no final do Século XIX, a principal oferta de trabalho estava na lavoura. E, para melhorar este assentamento, contando com a juda de filantropos, como Moses Montefiore e o Barão Edmond Rothschild, terras começaram a ser compradas para que houvesse uma maior empregabilidade dentro da mão de obra judaica.

Concomitantemente, emissários, enviados por estes filantropos, começavam a realizar estudos para otimizar a produção e escoamento deste fruto deixando as lavouras judaicas cada vez mais competitivas.

E o resultado deste investimento começou a ser notado com o passar dos anos.

Nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, havia quase 7,5 mil acres de plantações de Laranja na região, sendo um terço de judeus. Esta proporção se manteve até 1928, quando dos quase 21 mil acres plantados, 7 mil eram de propriedade judaica.

Outro bom exemplo de bom desenvolvimento econômico entre judeus e árabes foi com a contemporânea Feira do Levante.

Geograficamente, as plantações se dividiam com as terras árabes em Jaffa, Sharon e no Sfela, enquanto que a dos judeus, localizava-se em Petach Tikva e Rehovot.

Todavia, o mais interessante é que, mesmo com o crescimento das tensões políticas regionais, as plantações empregavam judeus e árabes. Neste período, um intricado emaranhado de relações econômicas, sociais e culturais foi desenvolvido entre as comunidades árabes – cristãs e muçulmanas – e judaicas. Infelizmente, pouco tempo depois, o conflito obscureceu este período de grande coexistência.

Em 1936, com a grande revolta árabe, toda esta cooperação entre os povos praticamente se extinguiu, porém, nesta época,o fim do período conhecido como a época de ouro da Marca Jaffa já estava próximo. Com a erupção da Segunda Guerra Mundial, este mercado, que chegou a empregar, direta e indiretamente, mais de 100 mil pessoas e ser responsável pois 70% das exportações locais, conhecia a sua primeira crise.

Por sua relação favorável aos nazistas, os alemãs templários foram expulsos da região pelos Britânicos e a marca criada por eles, Laranja de Jaffa, foi extinta. Mas apenas por um breve período de tempo.

A situação econômica dos pomares só voltaria a florescer com o fim da Segunda Guerra, com o auxílio britânico. Mas, a situação iria mudar drasticamente em menos de três anos.

As Laranjas de Jaffa após 1948

Por mais que muitas das tensões na Europa tenham acabado com o fim da Segunda Guerra Mundial, a região de Israel continuava em chamas por conta das cada vez mais inflamadas disputas entre Judeus e Palestinos que iria, num futuro breve, culminar com a Guerra de Independência de Israel.

Neste período de guerra, que dura de 1948 a 49, foram inúmeros palestinos que abandonaram as suas casas e terras e, por conseguinte, seus pomares. Dessa forma, a dinâmica de distribuição de terras entre entre judeus e árabes mudou drasticamente.

Foi neste periodo também que o recém criado Estado de Israel retomava o uso da marca Laranja de Jaffa contribuíndo assim para o ressurgimento desta fruta no mercado europeu.

O retorno das laranjas de Jaffa à Europa foi explendoroso. Em 1965, Israel exportou 20 milhões de caixas. Nos anos 70, a plantação de laranjas cobria mais de 100 mil acres e um milhão de toneladas eram exportadas anualmente. Nesta época, as laranjas eram um dos ícones da jovem sociedade israelense, celebrada em inúmeros poemas, hostórias, músicas infantis, poemas e filmes.

O pico da produção de laranja foi no início dos anos 80, com mais de 1.8 tonelada por ano, mas, logo em seguida, a produção caiu mais de 75%, pelos mais diversos motivos.

O mercado mundial começava a procurar por laranjas eficientes à produção de sucos e de mais fácil colheira, características que deixavam a Shamouti pouco competitiva no mercado. Além disso, Israel mudou seu direcionamento, de uma sociedade socialista, com raizes agrárias, para um emergente polo tecnológico.

Com a moeda local ganhando força, as exportações passaram a se tornar menos competitivas e a carência de água aumentou o custo do cultivo de laranjas, assim como de outros produtos agrícolas. Hoje eles representam apenas 2% das exportações, do que já foi mais de 40% nos anos 50.

A maioria dos pomares foram destruídos, ou abandonadas por perderem seu valor no mercado internacional. Os que restavam, eram pressionados pela grande especulação imobiliária que a região começou a sofrer. As áreas reservadas as plantações ao redor de tel aviv, que espalhavam fragâncias cítricas pela cidade nas épocas de floração, deram lugar a modernos arranha-céus, escrirótios e afins.

A redução na produção foi tão grande que a safra de 2019/20 foi de apenas 42k toneladas, sendo 95% destinado ao mercado local e, o mais triste em toda esta história, com a variedade Shamouti não tendo representatividade nenhuma nestes números.

Influencia na cultura

Selo Laranja de Jaffa
Selo Comemorativo

Estes pouco mais de 100 anos de vida da Laranja de Jaffa, não passou incólume pela cultura, tanto aos Árabes, quanto Israelenses e até mesmo de maneira internacional. Prova disso que no final da década de 20, uma pesquisa conduzida na região – neste momento um Protetorado Britânico – indicou que a grande maioria local gostaria de ver as cores verde e laranja, que representavam os pomares e a fruta, respectivamente, em uma possível futura bandeira nacional.

Posteriormente, já com o Estado de Israel, a recriação da marca Laranja de Jaffa contribuiu para o desenvolvimento de uma ideia romântica da vida Kibutziana motivando, inclusive, inúmeros extrangeiros não judeus a se mudarem a Israel para viverem um pouco desta rotina de uma vida no campo.

Além disso, a companhia aérea Israelense, El Al, entre as décadas de 70 e 80, homenageava a fruta nos uniformes de seus funcionários com as cores laranjas.

Comissárias El Al
Comissárias da El Al com seu uniforme laranja.

Contudo, talvez as formas mais bonitas de homenagem à fruta feita pelos Israelenses, estão nas músicas, poemas e outras manifestações artísticas destinadas a esta fruta, que acompanharam a infância e a absorção destes de maneira muito presente.

Tel Aviv também é conhecida como a Big Orange, uma referência a Nova York, conhecida como a Big Apple.

Shaul Tchernichovsky, um dos poetas mais importantes locais, por exemplo, cita em seu famoso poema, Oh meu país, minha terra natal, que tem referências, inclusive, na cédula de 50 Shekels, os cheiros dos pomares de laranjas característicos da região, como pode ser ouvido – em hebraico – em sua versão musicalizada:

Outro grande exemplo encontra no pequeno texto escrito por outro expoente da literatura local, Nahum Guttman, no qual ele ensina o simples ato de descascar uma laranja para aproveitar o máximo esta experiência e seu sabor:

“Coloque uma laranja em sua mão direita e cubra-a com a esquerda. Esfregue suavemente – a pele ficará brilhante e as palmas das mãos – cheire-as – a fragrância fará seu peito inchar. Agora segure a laranja com a ponta dos dedos e levante-a contra o céu. Acaricie-o com os olhos. Sua cor domina como o sol contra o fundo azul. O fruto é inteiro, redondo, pesado. As minúsculas protuberâncias densas em sua superfície brilham e explodem com vida.

Pegue um canivete e insira sua lâmina pontiaguda exatamente onde o Pólo Norte deveria estar. Com a mão esquerda, gire lentamente a laranja em seu eixo. Remova a tampa; ele se solta facilmente, com um farfalhar suave, e revela uma pequena flâmula branca presa a ela. O cheiro da fruta surge como se um frasco de perfume tivesse se quebrado… Agora é hora de seguir os meridianos. Mergulhe suavemente a lâmina na casca, mas com cuidado, você não quer machucar a carne. Deixe que seus dedos afundem no miolo macio e revele o coração, protegido e resguardado durante todo o verão apenas para você . O coração rosado está envolto em um cobertor branco macio, e sorri como quem acaba de despertar de um sonho agradável… Vá em frente, tire a manta e deixe o coração repousar pesado e translúcido na palma da mão.

Mas, espere, espere um segundo, você não acha que as cascas de laranja parecem barquinhos dourados, forrados de branco e esperando que o vento os leve embora?

Agora divida lentamente a fruta em segmentos. Em cada um você encontrará frascos minúsculos – densos, brilhantes, divertidos e suculentos -, suas formas alongadas se acomodam confortavelmente. Então olhe ao redor, veja se todos concordam com você que o mundo é lindo, e coloque a fruta na sua boca.”

No entanto, essa influência na cultura não se limitou apenas a região. O ator e cantor francês Jean Bretonnière compos uma música também homenageando não somente a Cidade de Jaffa, como também as suas frutas.

As representações desta fruta são inúmeras na mais diversas formas de arte e, por mais que a Laranja de Jaffa não faça mais parte da rotina de Israel, seu legado continua presente localmente das mais diversas formas, tanto na cultura, como vimos e, de certo modo, na economia, também. E, graças a cultura que, a partir de uma esculutra, temos um último exemplar de uma Laranjeira da variedade Shamouti em Tel Aviv que pode ser vista, inclusive, pelo Google Maps.

A Agricultura em Israel hoje em dia

Por mais que hoje em dia sejam menos de 5 mil agricultores em Israel, representando menos de 1% da população – este número já foi 18% em 1958 – a herança agrícola decorrente do grande sucesso da Laranja de Jaffa motivou que um número grande de empresas tecnológicas – hoje um dos principais alicerces da economia local – viessem a trabalhar dentro deste segmento.

Hoje, Israel possui mais de centenas startups dentro do agronegócio, muitos desses atuando no Brasil, e com os investimentos aumentando cada vez mais a cada ano. Um bom exemplo é a empresa Netafim, pioneira na irrigação por gotejamento que começou em 1965 com sensores e softwares que ajudavam os produtores a ter um controle preciso de quanta água direcionar á cada área de sua plantação.

Contudo, por mais que a exportação de cítricos não seja tão forte como outrora, a pesquisa neste segmento ainda gera frutos a Israel, em todos os sentidos da palavra.

A Substituta da Laranja de Jaffa?

Hoje em dia, uma das principais frutas cítricas produzidas mundialmente após a Laranja é a Tangerina, e a uma das principais variedades é a Orri, desenvolvida em Israel, desde o final dos anos 80. Chamada por alguns como a Princesa de Jaffa, ela é produzida mundialmente, com grande procura em mercados como França, Estados Unidos e, ultimamente Japão e China.

Quem sabe, em alguns anos, ela não comece a fazer parte do folclore local como sua antecessora? A cor e o sabor cítrico ambas já compartilham. Resta-nos esperar para descobrir.

Fonte:

https://www.tabletmag.com/sections/food/articles/rise-and-fall-of-israels-oranges

https://www.bloomberg.com./news/articles/2020-03-05/the-end-of-the-jaffa-orange-highlights-israel-economic-shift

https://citrusvariety.ucr.edu/citrus/shamouti.html

https://www.nationalgeographic.com/culture/article/one-mans-quest-to-keep-the-jaffa-orange-alive

http://www.orrijaffa.com/

www.israelairlinemuseum.org/el-al-uniforms/
https://vimeo.com/ondemand/jaffaeng/81492723/

Ilan Administrator
Guia de Turismo

Em Israel desde 2018, é nativo do Rio de Janeiro. Guia de turismo formado, tenho formação em Biologia e Marketing. Apaixonado por Israel e pela Natureza

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