Cão de Canaã

A Região onde se encontra Israel, ao longo dos milênios, forneceu à civilização inúmeros avanços tecnológicos e científicos. Contudo, ultimamente, pesquisadores têm notado que é bem possível que há mais de 10 mil anos, foi neste local que também começou a domesticação do nosso melhor amigo, o cachorro. E, o mais impressionante, é que nos dias de hoje ainda é possível encontrar uma raça local muito próxima a esses primeiros cachorros domesticados, o Cão de Canaã.

A Redescoberta do Cão de Canaã

Para começarmos a nossa história, contudo, precisamos entender quem é este Cão de Canaã.

Esta, que é a única raça originária de Israel, até o início do Século passado era tida pelos locais como um cachorro selvagem. Porém, o que eles não sabiam é que ele se tratava de um cão feral, ou seja, um cão domesticado que voltou ao seu estado selvagem. E não somente isso, como, provavemente, uma das raças de cachorro mais antiga que se tem conhecimento.

Este grupo de cães selvagens, do qual o Cão de Canaã faz parte, incluem outras raças indígenas da Ásia e África e são de grande interesse científico por inúmeras razões, dentre elas pelo fato de serem muito próximas do “cão original” – o primeiro ancestral das raças modernas – e de manterem de alguma forma algum contato com as comunidades humanas locais, de maneira muito similar aos seus antepassados, o que facilitou a sua domesticação.

Porém, como que este cachorro passou de um simples “vira-lata” do deserto a um cão com um status tão importante?

Com o avanço da arqueologia local, inúmeros registros da presença de cachorros na sociedade humana foram confirmadas e, a partir de desenhos datados de 4 mil anos, pôde-se constatar a grande similaridade morfológica dentre o cachorro ilustrado nas paredes e o que habitava, principalmente, os desertos da região. Mas, talvez os pesquisadores, não tivessem chegado a esta conclusão se não fosse pelo trabalho da bióloga austríaca Dra. Rudolphina Menzel.

O Cão de Canaã em sua história recente

Rudolphina Menzel. junto de seu marido, Rudolph, imigrarou a Israel em 1938, com a ascenção de Hitler, e, continuando seu trabalho de comportamento animal, resolveu se dedicar ao estudo do cachorro que ela tanto via pelas paisagens árida de sua nova pátria.

Um dos principais motivos que a levaram a (re)domesticar estes cachorros era para fornecer animais treinados à HaGana, a Força de Defesa Judaica de Israel, instituição a qual ela já ajudava ainda da Austria.

Menzel começou seu trabalho com cachorros que não eram totalmente domesticados, conseguindo se aproximar deles a partir de algumas técnicas específicas. Ela também capturou filhores de ninhadas, nos quais percebeu uma grande facilidade de adaptação e domesticação. Estes cachorros não foram selecionados à toa pela Dra. Menzel. Ela sabia que este cão já contemplava as adaptações necessáras para que o tornassse apto a sobreviver aos extremos do clima local.

Nesta época, estes cães eram, majoritariamente, capturados ainda jovens pelos Beduínos para serem usados na proteção, tanto os acampamentos, como dos rebanhos. Eles não procriavam o animal. Quando ele perdia a sua utilidade ou vinha a morrer, eles voltavam ao deserto e buscavam outro indivíduo, filhote, para treina-lo.

O nome Cão de Canaã foi uma homenagem que a Dra. Menzel fez a terra bíblica judaica homônima.

Depois de alguns meses de trabalho após a captura do primeiro espécime, a Dra. Menzel apresentou ao mundo o primeiro Cão de Canaã efetivamente domesticado, o Dugma – exemplo, em hebraico -, e a partir dele, raça voltou a ter uma vida junto aos humanos, retomando uma rotina de milhares de anos.

Num primeiro momento, os cachorros domesticados eram usados pela HaGana em patrulhas, na detecção de minas e na proteção dos territórios; além de terem o uso como mensageiros e ajudantes da Cruz Vermelha, durante a Segunda Guerra Mundial na Região do Oriente Médio. Posteriormente, com a Guerra de Independência, a partir de 1948, os Cães de Canaã continuaram desempenhando um papel importante lutando ao lado das Força de Defesa de Israel pela soberania judaica da região.

Posteriormente, percebendo as possibilidades e versatilidade deste dócil cão, a Dra. Menzel, começou o treinamento destes cães para fins mais nobres que a guerra. Em seu instituto, Rudolphina começou a treinar o Cão de Canaã para para o acompanhamento de cegos, função que se adaptou muito a ele..

Os Cães de Canaã hoje em dia

Desde o início dos trabalhos de Menzel até o reconhecimento internacional de que os Cães de Canaã eram uma raça, foram quase três décadas de trabalho. Apenas em 1966, a FCI, a Federação Cinológica Internacional, reconheceu-o como um membro do Grupo 5 das raças de cães, tal como o Husky, estando no subgrupo de cachorros primitivos, como o Basenji, africano.

O Cão de Canaã é uma das poucas raças que pode-se conseguir um pedigree a partir de um indivíduo sem registro prévio por conta de sua presença na natureza e processo recente de redomesticação.

O interesse nesta raça esteve, tradicionalmente, relacionado a judeus que moravam na diáspora, além dos cidadãos israelenses e do contínuo uso tradicional por parte dos beduínos e druzos locais. Contudo, foi a partir de 1990, quando John F. Kennedy Jr. adotou um, a raça ganhou maior projeção mundoal. No entanto, na contra-mão deste movimento, o número de Cães de Canaã selvagens começou a diminuir vertiginosamente por conta de um processo de prevenção à Raiva, adotado pelo Governo Israelense. Nos dias de hoje, ele encontra-se ameaçado de extinção no seu ambiente original.

As Características do Cão de Canaã

Por ser um cão que se readaptou a vida longe dos humanos nos desertos de Israel, ao longo de sua evolução algumas características bem específicas apareceram a fim de facilitar a sua sobrevivência em ambientes tão hostís, como adaptações fisiológicas para a redução da perda de flúidos e aquecimento. Contudo, características similares a membros da mesma família, a Spitz, permaneceram, como o formato do corpo bem distribuído, cauda longa e curvada, orelhas eretas, o trote rápido, os sentios aguçados entre outras.

O Cão de Canaã é normalmente um cão saudável que não exige nenhum cuidado especial, sem problemas hereditários conhecidos e com poucas visitas a veterinários.

Características Anatômicas

De médio porte e bem encorpado o Cão de Canaã não apresenta extremos em seu corpo. Ele se movimenta com agilidade atlética e graciosa num trote rápido e energético, boa parte em função do seu passado selvagem recente. Ele tem uma cabeça em formato triangular, com orelhas pequenas e eretas, um rabo peludo que fica curvado quando excitado, além de uma dupla camada de pelo lisos.

O macho tem altura entre 50 e 60cm e com peso entre 20 e 25kg, enquanto que a fêmea é em torno de 10% menor.

A sua coloração segue dois padrões; predominantemente branco com ou sem uma mascara de uma cor, ou com uma cor sólida, variando do preto a tons do castanho – conhecidos no universo canino como areia, vermelho e fígado. Sombras de outras cores podem estar presentes tanto no peito, abaixo da mandíbula, nas patas e no final da cauda.

Características Psicológicas

O Cão de Canaã é considerado um cão com alta inteligência, isto é, com uma grande capacidade de aprender, adaptar-se, resolver problemas e reagir com efetividade às situações adversas. No entanto, a inteligência dele é um pouco diferente de outras raças a quais estamos habituados.

Os tradicionais cães pastores ou de caça, por exemplo, foram procriados por gerações a fim de serem treinados rapidamente, têm uma performance confiável e são extremamente obedientes. Este tipo de comportamente de submissão, ao longo dos anos, tem sido o exemplo ideal de inteligência canina.

Contudo, com o Cão de Canaã a sitação muda um pouco, principalmente por conta de seu recente passado selvagem. Ele, não só aprende tão rápido quanto as outras raças, como também consegue entender uma grande variedade de comandos. Mas, nem sempre é cegamente obediente. Sua resposta depende de quão seguro ele estará ao obedecer o comando, na confiança que ele tem no seu tutor e no sentimento que fazendo isso ele terá um benefício futuro.

Este conjunto de características favorece que ele possa ser utilizado como um cão de pastoreiro – não num mesmo nível de um Border Collie -, como um cão para se ter em casa e ensinar muitos truques e, até mesmo, como cão de guarda.

O Cão de Canaã como Parte da Família

Outra característica muito interessante relacionada ao Cão de Canaã é que, quando ele cresce junto a crianças e outros anumais, torna-se um companheiro natural da família e seu protetor. Contudo, para que ele se socialize bem com outros cachorros, é importante que tenha algum contato com eles durante a sua juventude.

Os latidos não são tão comuns nesta raça. O cachorro só late quando algo anormal acontece em seu território. No entanto, este território abrange uma grande área, novamente, por conta de sua origem das grandes áreas do deserto.

A natureza selvagem se manifesta nele também no que se trata da companhia. Os cães selvagens costumam, tal qual como seus primos lobos, viverem em matilhas. Desta forma, é crucial que o Cão de Canaã sinta-se parte integrante da família do tutor, bem como perceba que há uma hierarquia dentro da casa, para que ele se sinta confortável. O isolamente, para este tipo de raçal, é uma das piores punições possíveis.

As Citações Históricas do Cão de Cananã

Por mais que esta raça tenha sido reconhecida internacionalmente em meados do século passado, ela traz consigo milênios de história. Esta, por sua vez, intimamente atrelada aos Israelitas, Filisteus, Egípcios e muitos outros povos que habitam ou habitaram esta região.

Algumas teorias, indicam que os ancestrais deste cachorro, provavelmente, serviam de cães de guarda aos antigos israelitas. Segundo esta, os Cães de Canaã se dispersaram por todo o território junto com a destruição causada pelos Romanos, há 2000 anos. Com a queda da população judaica na região, os cães se refugiaram no deserto do Negev, um reservatório natural da vida selvagem local.

Vivendo no deserto, eles se mantiveram praticamente como um cão selvagem, com alguns indivíduos vivendo próximos a acampamentos beduínos, e alguns poucos, posteriormente, junto aos Druzos, mais ao norte, na região do Monte Carmel.

Os Beduinos o chamam de Balladi o Cão de Canaã selvagem ao redor de seu acampamento

Por mais que a esta teoria ainda não se tenha comprovação científica, outros tantos achados indicam a real existência destes cães pela região há muitas gerações.

O Cão de Canaã na Arqueologia

O primeiro achado arqueológico sobre os quais os pesquisadores encontraram a primeira evidência de um ancestral do Cão de Canaã foi encontrado nas tumbas de Beni-Hassan, no Egito, datada entre 2200 e 2000 AC. Em suas paredes, é possível encontrar um cachorro muito similar ao que conhecemos hoje como o Cão de Canaã. Nesta ilustração é bem claro o padrão de cores característico, bem como o formato das orelhas e caudas dos animais.

Outra representação atística, deste vez um pouco mais recente, que apresenta um possível Cão de Canaã foi encontrada no Líbano, na famosa cidade de Sidão. Um túmulo, do Sec IV AC, tem engravado uma cena de caça na qual acredita-se aparece o Rei local, bem como Alexandre o Grande, caçando um leão. Nela, há um cachorro ajudando aos caçadores. Novamente, as características ilustradas na escultura muito se assemelham ao que vemos hoje nesta raça israelense.

Outras ilustrações de cachorros que acreditam ser antepassados dos atuais Cães de Canaã foram enocntrado em outras tantas localidades, como em Wadi Celoqua. Mas, o achado mais importante foi em território israelense.

Na cidade de Asquelão, ao Sul de Israel, muito póximo a Gaza, os arqueólogos encontraram um enorme cemitério de cachorros datado entre os Séculos III e V AC. Com mais 700 esqueletos já encontrados, este antiga cidade portuária pode fornecer um material concreto para a comparação entre os Cães de Canaã modernos, com os antigos. E os resultados não poderiam ser mais interessantes. Estes cachorros, todos enterrados com muito cuidados, sempre na mesma posição, com as pernas laterais flexionadas e a cauda entre elas, apresentam inúmeras similaridades com o que encontramos hoje em dia passeando pela orla de Tel Aviv.

Estes achados, somente corroboram a presença desta raça de cachorro em toda a área do Levante. Dessa forma, é bem possível de se dizer que quando Jesus ou Abraão ouviam algum latido, muito provavelmente, o que eles viam era um doce e amigável Cão de Canaã ladrando.

Bíblia

E, por falar em personagens bíblicos, tanto o Velho, quanto o Novo Testamento, também fazem menções ao nosso melhor amigo. Mais precisamente, 38. Na bíblica hebraica, o termo termo kelev, que aparece 32 vezes (veja aqui os detalhes e as passagens), enquanto que no novo testamento, a  palavra grega kuón, aparece 6 vezes (veja aqui), incluíndo os Livros Deuterocanônicos.

Apesar da maioria das citações fazerem referências pejorativas ao cachorro – que provavelmente se tratava de um Cão de Canaã -, é possível, sim, perceber que eles faziam parte da sociedade local, inclusive como animal doméstico, como vemos na citação abaixo:

Tobias partiu com o anjo, e o cachorro os acompanhou. Caminharam até o anoitecer e acamparam junto ao rio Tigre. Tobias 6,1

A Relação de Israel com os Cachorros

Atualmente, como vimos, o Cão de Canaã é a única raça reconhecida em Israel, com milhares de anos de história. Porém, a relação dos habitantes desta região com os cachorros é muito mais remota e perdura até hoje. Inclusive, alguns pesquisadores propõe que a domesticação do cachorro começou aqui, nesta região.

Mais de 13 mil anos de história

A data exata e o local do início da domesticação dos cachorros é incerto e cheio de opiniões divergentes. Enquanto que algumas pesquisas recentes sugerem que ele ocorreu há 23 mil anos na Sibéria, outros sugerem que foi na região do Levante, onde Israel se encontra.

Esta divergência ocorre pois arqueólogos encontraram na Galileia tumbas mortuárias da Cultura Netufiana, em Hayonum e Ein Mallakha, na qual, respectivamente um homem e uma mulher foram enterrados juntos aos seus cachorros de estimação. O impressionante é que estes ossos datam mais de 13 mil e 10 mil anos, respectivamente.

O que sabemos, é que, por mais que não se tenha um concenso da localização e a data exata, a paixão regional pelos cachorros é algo que perdurou por todos estes anos, vide o que temos em Tel Aviv nos dias de hoje.

Tel Aviv, a cidade amiga dos cachorros

Com uma proporção de 1 cachorro para cada 17 pessoas, Tel Aviv tornou-se conhecida internacionalmente como a cidade mais dog friendly do mundo.

Esta alta propoção de cachorros é claramente observada com a quantidade de parques para cachorros espalhados, tanto por Tel Aviv, como pelo resto do país. Eles são bem-vindos em ônibus, shoppings e restaurantes. Existem, inclusive praias ao longo da orla, destinadas aos nossos melhores amigos.

Conheça as praias de Tel Aviv, inclusive a dedicada a cachorros.

E, todas estas instalações, eu mesmo pude comprovar a qualidade. Desde março de 2020, adotei um cachorro chamado Shnitzel (Frango à milanesa) que, apesar de ser um vira-lata, tem traços claros de uma descendència de um Cão de Canaã. Extremamente dócil, carinhoso e tranquilo, este novo membro da família já garantiu não somente o lugar dele no coração de todos como no sofá também.

E você? Já chegou a ver algum Cão de Canaã alguma vez? De acordo com a pesquisa que fiz, ele ainda não é muito popular no Brasil, mas, quem sabe num futuro próximo você não poderá adotar um e ter contigo um descendente direto de um dos moradores originais da Terra de Israel.

Fonte:

https://www.timesofisrael.com/why-tel-aviv-is-so-crazy-about-dogs/

http://www.jagdwindhund.com/jagdwind/dokumente/upload/a45f2_PADS-Newsletter_18.pdf

https://www.haaretz.com./archaeology/MAGAZINE-the-archaeology-of-dogs-1.5627348

https://www.haaretz.com/archaeology/.premium-dogs-were-domesticated-in-siberia-over-23-000-years-ago-study-posits-1.9480675

https://benihassan.com/

Ilan Administrator
Guia de Turismo

Em Israel desde 2018, é nativo do Rio de Janeiro. Guia de turismo formado, tenho formação em Biologia e Marketing. Apaixonado por Israel e pela Natureza

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