O arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, conhecido mundialmente por seus projetos inovadores e marcantes, deixou sua marca também em Israel. O capítulo Oscar Niemeyer na história de Israel, levou o desenvolvimento de projetos a diversos prédios e estruturas de destaque, graças a um encontro casual com um rico empresário israelense.

O capítulo Oscar Niemeyer na história de Israel
Jornal HaBoker, de Março de 1964, sobre a presença de Niemeyer em Israel

Neste texto, vamos contar a história de como Oscar Niemeyer veio a trabalhar em Israel, apresentar alguns dos principais projetos que ele projetou e deixar evidente como essas estruturas continuam a ser importantes e icônicas para o país até hoje.

Como Oscar Niemeyer chegou em Israel

O encontro entre Oscar Niemeyer e o empresário israelense Yekutiel Federmann aconteceu no início dos anos 60, quando Niemeyer já era conhecido mundialmente por suas obras em Brasília, que havia sido inaugurada há pouco tempo. Federmann, que era proprietário de grande parte das terras do bairro Nordia em Tel Aviv, estava procurando um arquiteto renomado para levar adiante um ambicioso projeto de construção na área, que ainda era pobre e subdesenvolvida.

Depois de se reunir com Niemeyer e conhecer seus planos para o bairro, Federmann decidiu convidá-lo para vir a Israel e liderar a construção daquela área, que teria como marca registrada prédios comerciais de 2 a 3 andares e torres residenciais de alto padrão. Niemeyer aceitou o convite e viajou com sua esposa e um assistente para o país.

No entanto, a visita a Israel, que deveria ter sido breve, acabou durando muito mais do que o esperado. Durante a estadia de Niemeyer, ocorreu o golpe militar no Brasil em 1964, e o arquiteto, que era um membro destacado do Partido Comunista e um apoiador do ex-presidente Juscelino Kubitscheck, tornou-se persona-non-grata do novo regime. Sem poder retornar ao Brasil, ele ficou em seu apartamento no Hotel Dan em Tel Aviv por seis meses e limitou seus contatos apenas a missões profissionais.

A presença prolongada de Niemeyer em Israel acabou por criar novas oportunidades para o desenvolvimento de projetos arquitetônicos adicionais, permitindo-o trabalhar em conjunto com vários arquitetos israelenses.

Os projetos de Oscar Niemeyer em Israel

Durante sua estadia em Israel, Oscar Niemeyer projetou diversas estruturas e edifícios importantes, alguns que chegaram a ser construídos, e que se tornaram marcos da arquitetura e da paisagem urbana do país. Abaixo, alguns dos projetos mais notáveis:

Kikar HaMedina

Kikar Hamedina, conhecida como a “Praça do Estado”, é uma das maiores praças de Tel Aviv. Projetada em colaboração com os arquitetos israelenses responsáveis pelos edifícios residenciais que a cercam, a praça é circundada por uma rua circular, He Be’Iyar, que se conecta a duas importantes ruas, a Weizmann, que corre de norte a sul, e a Jabotinsky, que corre de leste a oeste, além de várias pequenas ruas.

O capítulo Oscar Niemeyer na história de Israel
Kikar HaMedina

Em 1964, o plano para a praça foi desenhado pelo escritório de arquitetura Elhanani – Lotan em colaboração com Niemeyer. Em outubro de 1969, este plano foi publicado sob o nome de Plano de Edifícios da Cidade 600. O plano referia-se a três fases distintas: a parte externa da praça, que consistia em edifícios comerciais de cinco andares com lojas no térreo, a parte interna, que abrigaria prédios residenciais de onze andares com o térreo aberto ao público, e o centro da praça, que seria destinado a prédios públicos como uma biblioteca municipal, galerias de arte, um museu, um teatro e uma torre residencial.

A primeira parte do plano foi realizada conforme o planejado, resultando na construção da parte já existente da Praça do Estado. Porém, a continuidade da implementação do Plano 600 foi adiada devido ao grande número de proprietários de terras e à necessidade de redistribuição da área. Em abril de 1974, um plano detalhado, chamado de 600a, foi depositado para a construção da parte interna da praça, como continuação do Plano 600.

A partir desse momento, a história da Praça do Estado se torna um tanto tumultuada, com propostas de desapropriações e renovações que vão apenas ser resolvidas no início da década de 20 do Século XXI com uma grande reforma no local.

Nordia

Um de seus projetos mais famosas é oNordia, em Tel Aviv, Israel, motivo original que o traz ao país. O projeto, encomendado por Yekutiel Federman, desejava desenvolver a área central da cidade. Federman escolheu Niemeyer para criar um projeto que incluía três torres residenciais, um hotel e um prédio de escritórios, além de uma grande área comercial de dois andares com lojas, restaurantes e cinemas.

Projeto Nordia
Projeto Nordia

O projeto de Niemeyer foi baseado em 2-3 andares comerciais e torres residenciais de alto padrão, seguindo seu estilo conhecido. No entanto, o enorme escopo do projeto, que totalizava 132.000 metros quadrados, levou à sua rejeição pelo Comitê de Planejamento e Construção do Distrito, que afirmou que era maior do que Tel Aviv. Isso levou a críticas de que o projeto seria um enclave para os ricos, o que teria um efeito negativo na polarização social da cidade.

Sobre o projeto, Neiemeyer disse:

…especificamente comercial, com edifícios de escritórios, lojas e todos os complementos e atrativos que estas últimas solicitam, pois o novo centro comercial, projetado pela municipalidade, não impedirá que o comércio existente em Tel-Aviv continue a se expandir espontaneamente, reclamando outros complementos, como o Conjunto Nordia, por exemplo, que lhe garantirá lojas mais luxuosas e, principalmente, escritórios comerciais, pois muitos deles atuam nesse setor de forma inadequada, uma vez que se situam fora do mesmo, em zonas residenciais.
Apesar de convictos da justeza do nosso ponto de vista, resolvemos apresentar uma variante – uma solução mista de escritórios e apartamentos – sendo que estes últimos dotados dos complementos indispensáveis à habitação coletiva, como escola primária, jardim de infância, centro de puericultura, inclusive o grande jardim suspenso para play-ground e recreio que a solução possibilita.

Embora o projeto tenha sido rejeitado principalmente por razões financeiras, a área foi vendida a investidores canadenses que propuseram construir dois prédios de 20 andares cada, metade da altura prevista no projeto de Niemeyer. No entanto, essa proposta também fracassou devido a uma escassez de fundos. O terreno foi posteriormente vendido ao empreiteiro Arie Pilz, que construiu o Dizengoff Center, um centro comercial com prédios de escritórios e residenciais acima dele, no final dos anos 1970.

O Dizengoff Center é um dos Shoppings mais importantes do país.

Embora o projeto de Niemeyer não tenha sido realizado, ele deixou um legado de inspiração para os arquitetos locais.

Universidade de Haifa

A Universidade de Haifa é uma obra pouco conhecida de Oscar Niemeyer. O projeto, a convite do prefeito da cidade, Abba Hushi, consistia em uma grande plataforma horizontal que abrigava salas de aula, biblioteca, entre outras instalações, além de uma torre de administração da universidade, a torre Eshkol. Embora nem todos os volumes previstos tenham sido construídos, os edifícios principais dão uma boa ideia da concepção de Niemeyer para o projeto.

Por mais que muito aclamado pela mídia local, jornais como o Maariv, duvidavam da execução do projeto, publicando, inclusive, uma reportagem com a manchete: O projeto haifani de Niemeyer empolga, mas é inadequado.

Projeto da Universidade de Haifa
Projeto da Universidade de Haifa

A plataforma horizontal e a torre Eshkol são os dois elementos dominantes do projeto e seguem o traçado original do arquiteto. A plataforma abrigava a biblioteca e salas de aula, enquanto a torre de administração ficava em um ponto elevado, tendo uma vista privilegiada do campus. O projeto original previa também uma pirâmide invertida no lado leste da plataforma, mas esta parte não chegou a ser construída. Esta é uma ideia formal que Niemeyer já havia empregado em outros projetos, como o Museu de Arte Moderna de Caracas e, inclusive, em Brasília.

Niemeyer disse sobre o projeto:

“Nossa preocupação ao examinar o projeto da Universidade de Haifa foi evitar as soluções dispersas. As soluções usuais em que os edifícios são construídos separadamente como se fossem uma urbanização habitacional. Se adotássemos uma solução desse gênero, as vantagens da centralização desapareceriam, a construção se tornaria mais onerosa e a importância da obra diluiria numa série de pequenas construções que muitas vezes nada de comum apresentam. No caso da Universidade de Haifa, todos esses inconvenientes se agravam diante da beleza surpreendente do local escolhido e que sugere evidentemente uma solução compacta de aspecto simples e monumental.”

Em 2014, a biblioteca da Universidade de Haifa passou por uma reforma para atender às novas demandas de estudantes e professores. O objetivo do projeto foi modernizar a biblioteca sem comprometer o caráter distintivo do edifício. O estúdio de arquitetura responsável pela reforma reintegrou o projeto original, permitindo que a luz solar e a ventilação natural voltassem a fluir pelo interior do edifício. Além disso, foi construído um novo prédio para abrigar espaços administrativos e criado um espaço central de circulação que acomoda uma nova entrada principal.

O projeto de reforma da biblioteca da Universidade de Haifa recebeu o Prêmio Rechter de projetos de arquitetura marcantes de Israel. A obra se tornou um exemplo da importância da preservação do patrimônio arquitetônico moderno e de como é possível modernizar edifícios históricos sem comprometer seu caráter distintivo.

Centro Panorama

Complexo Panorama
Complexo Panorama

Complexo Panorama, localizado no alto das montanhas do Carmel, em Haifa, que inclui hotel, comércio e residência, pertence à família Federmann, os anfitriões de Niemeyer.

No caso do Conjunto Panorama o problema se apresenta com a maior clareza. Em vez de projetar diversos edifícios – edifícios baixos de quatro ou seis pavimentos – que ocupariam todo o terreno, Niemeyer preferiu prever apenas dois grandes blocos, deixando entre eles os espaços livres destinados a play-grounds, auditórios, etc. É um detalhe sem maior importância na urbanização de Israel, mas que, multiplicado, representaria certamente as vantagens urbanísticas.

Parte do projeto foi edificado e contiuna se destacando na paisagem local, principalmente por localizar-se próximo aos Jardins Bahais, patrimônio da Unesco.

Hir HaNegev

O arquiteto brasileiro sempre foi conhecido por suas ideias ousadas e vanguardistas. Seu projeto Hir HaNegev (Cidade do Negev) gerou muitas controvérsias devido à proposta de construir prédios altos no meio do deserto. Niemeyer desejava construir uma cidade de torres verticais, porém o projeto final solicitava prédios de quatro a oito andares. O arquiteto defendia que a construção de prédios altos trazia vantagens econômicas, como a economia de espaço e a diminuição dos problemas de tráfego e transporte. Além disso, a altura dos prédios evitaria problemas com a poeira e tempestades de areia do deserto.

Como o próprio arquiteto escreveu:

“Um plano de urbanismo para ser lúcido e atualizado deve exprimir uma concepção de vida definida, baseada no progresso técnico e social que caracteriza a época em que vivemos. Seu objetivo: criar para o homem as condições de conforto e comunicação que a técnica permite, os ambientes propícios ao trabalho, à cultura e ao recreio. Mas deve, principalmente, exprimir o período de confraternização que se aproxima, dando a todos, sem discriminação, o mesmo tratamento, conduzindo os homens para os problemas comuns, fazendo-os mais amigos e felizes”.
Projeto da Hir HaNegev
Projeto da Hir HaNegev

A Cidade do Negev seria um modelo para o país, com áreas destinadas à agricultura, indústria e lazer, além de trazer o espírito de progresso para o interior do país. O projeto consistia em um centro urbano administrativo, cercado por edifícios residenciais e áreas esportivas. As torres residenciais poderiam chegar a 30 ou até 50 andares, e o acesso aos apartamentos seria feito por jardins internos em diferentes níveis. Niemeyer projetou ruas e praças protegidas dos ventos do deserto, com pouco tráfego de carros e mais tráfego de pedestres.

Apesar da proposta ousada, a Cidade do Negev nunca foi construída conforme o projeto original. Críticos argumentaram que o projeto impunha um estilo de vida aos moradores, sem levar em conta os costumes do país. Além disso, a transição entre culturas, que já era complexa, poderia se tornar ainda mais difícil com a implementação de um modelo tão diferente. Também foi levantado o argumento de que a região do Negev não sofria com a falta de espaço, e que o modelo proposto por Niemeyer ainda não havia se provado o suficiente para ser adotado em larga escala em Israel.

Em resumo, o projeto de Oscar Niemeyer para a Cidade do Negev, apesar de controverso, trouxe à tona questões importantes sobre a construção de prédios altos e a implementação de novos modelos de planejamento urbano. Embora a proposta não tenha sido levada adiante, sua visão inovadora inspirou outras discussões e projetos no país e em todo o mundo. A discussão sobre o uso de prédios altos em áreas urbanas e a busca por modelos sustentáveis e eficientes continua sendo um tema importante no campo da arquitetura e do planejamento urbano.

Casa Rotchild

A Casa Rotchild, em Cesareia, projetada para ser a residência de seu principal contratante, Yekutiel Federmann, talvez seja um dos seus mais inusitados projetos.

Mesmo que não tenha sido construída, Niemeyer, famoso por suas construções redondas projetou esta casa num formato quadrado. Em todo o projeto, a única linha curva presente na casa é uma viga que se estende sobre a varanda e então se inclina para apoiar a rampa de acesso, lembrando as linhas sensuais dos seus projetos mais famosos.

Como dito no artigo especializado de Robynn Weldon:

A casa não se trata apenas de ângulos retos, logicamente. Pequenas varandas triangulares recortadas na fachada aparecem em três dos quartos; embora configuradas por linhas retas, três paredes pivotantes em um dos terraços proporcionam um efeito visual dinâmico e circular; e os apoios inclinados sob a varanda fazem com que ela pareça flutuar. Em uma alteração posterior do projeto o arquiteto adicionou mais um nível e uma laje de cobertura ascendente, assim como planos inclinados que avançam onde antes estavam os quartos – como se as paredes pivotantes tivessem sido multiplicadas pelo espaço da casa. Mas quanto ao projeto original, parece que Niemeyer buscou se desafiar a encontrar recursos formais ousados também entre ângulos retos.

Este é um projeto bastante singular. Enquanto o espaço de uso comum da casa é amplamente iluminado pela luz natural, nos quartos ela é muito mais escassa. A fachada principal e seus grandes panos de vidro, a varanda e a sala de estar são completamente visíveis a partir do exterior, o que de alguma maneira parece expor demais os espaços internos.

A Casa Rothschild, um projeto desenvolvido simultaneamente, compartilha das mesmas paredes pivotantes, bem como a plataforma de acesso com seus apoios inclinados. Mas a dramática laje curva da cobertura e a piscina de forma irregular – também presentes no projeto de sua própria casa, a Casa das Canoas – são feitas das mesmas linhas poéticas associadas aos seus projetos mais famosos. 

Outros projetos

Além dos projetos supracitados, Niemeyer ainda teve a oportunidade de desenvolver tantos outros que, pelos mais diversos motivos não seguiram a diante, como a construção de uma nova asa para o famoso Hotel King David, em Jerusalém, além de alguns prédios de apartamentos e moradias Herzliya

Saiba mais sobre os Primeiros vinhos de Israel.

Legado

Apesar da maioria dos seus projetos não terem sido construídos, ou, quando foram, não seguiram os desenhos a risca, não é um absurdo dizer que o grande legado deste grande arquiteto brasileiro a Israel foi além da construção de edifícios.

Para um país de quase três milhões de habitantes e com um PIB quase 100 vezes menor que o atual, ter a possíbilidade de receber uma personalidade do tamanho de Niemeyer foi algo que encheu de orgulho o país. Além disso, muito o que se vê hoje nas questões habitacionais e de crescimento urbano já havia, de uma maneira ou de outra, sido previsto por Oscar.

Em sua passagem por Israel, Neiemeyer se encantou por Eilat, elegendo-a como uma das paisagens mais bonitas que ele já viu

Por mais que ele se admirasse com a cultura socialista e agrícola dos Kibbutz, ele já sinalizava as autoridades que o crescimento horizontal levado no desenvolvimento das cidades não era o ideal a um país tão pequeno. A construção de arranha-céus era o principal caminho a ser seguido para evitar uma futura crise imobiliária nos grandes centros.

E Neiemeyer estava certo. Hoje, Israel vive um grande problema habitacional que foi indicado por ele há 60 anos.

Fontes:

http://www.institutobrasilisrael.org/2018/11/08/niemeyer-em-israel-encontro-criativo-entre-o-genio-revolucionario-e-o-jovem-estado/

https://www.haaretz.com./israel-news/culture/2012-12-12/ty-article/.premium/when-oscar-niemeyer-got-stranded-in-israel/

https://www.prp.unicamp.br/inscricao-congresso/resumos/2021P19186A29408O5401.pdf

https://www.ufrgs.br/propar/publicacoes/ARQtextos/PDFs_revista_10-11/8_FIORE.pdf

https://www.archdaily.com.br/br/885198/conheca-a-casa-nao-construida-de-niemeyer-em-israel-atraves-desse-modelo-3d

https://www.oscarniemeyer.org.br

Ilan Administrator
Guia de Turismo

Em Israel desde 2018, é nativo do Rio de Janeiro. Guia de turismo formado, tenho formação em Biologia e Marketing. Apaixonado por Israel e pela Natureza

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