Será que os judeus ao redor do mundo representam o mesmo povo que do tempo de Jesus ou Abraão? Segundo um grupo de afro-americanos, não. Autodenominados como Hebreus Africanos Israelitas, eles acreditam ser os reais descendentes dos judeus, que, na realidade, eram negros e africanos. O mais interessante desta história é que uma parcela deste grupo migrou a Israel, a terra que acreditavam ser sua por direito, na década de 60. 60 anos depois, encontram-se integrados na sociedade israelense. Mas como que se deu esta história? Vamos entender desde o seu início.

Surgimento de uma Nação

Os Hebreus Negros surgiram em 1892, com William Saunders Crowdy, um ex escravo que se proclamava um profeta, não de uma nova religião, mas de uma Nação. Crowdy acreditava e pregava que os Afro-americanos eram o verdadeiro povo escolhido por Deus. Os judeus do Novo e Velho testamento, bem como eles, eram negros. Desta forma, os judeus atuais seriam impostores que roubaram esta posição logo após a expulsão dos judeus originais pelos romanos, no ano 70 DC. Ou seja, eles seriam uma parte das tribos perdidas, segundo a mitologia de Crowdy.

Com o passar do tempo, disseminaram-se pelos EUA, gerando quatro sectos diferentes dentro do movimento, cada qual com suas características.

Um deles eram os Petencostais, que surgiram no início do Sec XX, inspirados pelos pentecostalismo que aparecera pouco antes. O segundo seria o “Rabinato Negro”, que adotava a maioria das práticas judaicas, mas não se consideravam Judeus. Tampouco aceitavam uma conversão ao judaismo. O terceiro, o secto Apenas a Torah, similar aos Caraítas atuais, seguiam apenas o pentateuco e negavam qualquer texto rabínico e o Novo Testamento. E, por fim, os Hebreus Messiânicos, os mais importantes desta nossa história. Eles, mesmo praticando atos judaicos, aceitavam o status messiânicos de Jesus. Contudo, não apenas de Jesus, mas de todos os indivíduos enviados por Deus para trazerem seu povo escolhido de volta ao caminho certo.

Dessa forma, vemos que o conceito de Messias utilizado por eles é um pouco distinto do que o Cristianismo e Judaismo entendem. E é nesse contexto que aparece Ben Carter, o personagem principal da nossa história.

Ben Ammi Ben-Israel

Ben Carter nasceu em 1939 em Chicago numa família Batista na cidade de Chicago. Enquanto levava uma vida rotineira, ele acompanhava também as tensões nos EUA da década de 60 relacionadas às questões raciais. Foi quando em 61, um colega de Trabalho o apresentou as ideias dos Hebreus Africanos. A partir deste momento, ele começou a frequentar as reuniões do movimento e recebeu seu nome em hebraico, Ben Ammi Ben-Israel (Filho do meu Povo Filho de Israel).

No entanto, em 1966, tudo iria mudar para Ben Ammi. A partir de uma revelação divina enviada por Deus via o Anjo Gabriel, ele foi comunicado que havia chegado a hora dos reais descendentes do Povo Judeu regressarem a sua terra natal.

Ben Ammi fundou então o braço desta comunidade conhecido como Israelitas Hebreus Africanos de Jerusalém, juntou 350 fiéis, e se mudou para a Libéria, o primeiro passo no caminho a Israel.

A Chegada em Israel dos Hebreus Africanos

Como mencionado, este braço dos Hebreus Africanos era messiânico e Ben Ammi, fora reconhecido como um Messias pelo grupo. Dessa forma, não foi difícil de convencer os seus fies a seguir este caminho que ele indicava.

Em 67, Ben-Israel e seus discípulos chegram ao seu primeiro destino, a Libéria. Com o intuído de expurgar de seus fiéis os atributos negativos que adquiriram após tantos anos como escravos, do mesmo modo que os judeus no Deserto do Sinai, eles permaneceram no país por alguns meses. Em 68, continuaram seu trajeto e os primeiros membros da comunidade começaram a chegar em Israel como turistas. Mas havia um problema. Eles não tinham qualquer garantia legal de permanência.

A chegada deste grupo não passou despercebida e logo as autoridades começaram a se envolver.

Em pouco tempo, a notícia chegou ao Rabinato Chefe de Israel. A proposta feita aos americanos foi simples, conversão ao judaísmo. Dessa forma, eles teriam direito, pela lei israelense conhecida como Lei do Retorno, de ter a cidadania local. No entanto, a proposta não foi aceita. Os Hebreus Africanos não acreditavam na religião que os judeus de Israel praticavam. Converter-se a ela seria uma heresia.

ben ammi ben-israel
Ben Ammi escreveu nove livros, entre eles Deus, o Homem Negro, e a Verdade, em tradução livre, publicado em 82.

O grande problema foi que, ao negarem a conversão, as possibilidades de se estabelecerem legalmente no país acabaram. Desse modo, o grupo viveu de maneira ilegal no país até 1980, quando as coisas começaram a mudar.

O início do caminho rumo ao reconhecimento desta comunidade pelo governo se deu com a construção de uma vila, próximo a Dimona, com o nome de Kfar HaShalom. Mas havia uma condição imposta pelo Estado. Novos membros não poderiam do grupo não poderiam se estabelecer no país.

Tornando-se israelense

A situação legal dos Hebreus Africanos permaneceu em status quo até 1990 quando, finalmente, um novo passo mais concreto rumo a legalização deles foi tomado. Os membros do grupo receberam um visto de trabalho e, no ano seguinte, o status de residentes. Por mais que ainda não fossem cidadãos israelenses, com estes vistos poderiam ter uma vida com muito menos problemas burocráticos.

Hebreus negros
Notícia do Jornal HaAretz de 1990 sobre os vistos.

O próximo passo foi em 2003, quando o Ministério do Interior deu o status de comunidade permanente. Poucos anos depois, os membros, gradativamente, tiveram acesso à cidadania. Ben-Israel tirou a sua em 2013, um seis meses antes de sua morte.

Neste período de incerteza e muitas lutas por parte dos Hebreus Africanos o seu vilarejo cresceu, bem como a sua comunidade. Se no final da década de 60 eles eram 350, hoje a comunidade tem quase 5 mil membros. E não apenas na sua antiga vila. Podemos encontra-los em Dimona, Arad, Mitzpe Ramon e em Tibérias.

No entanto, Kfar HaShalom continua sendo o maior ponto de concentração desta comunidade e tem grande fama por ser conhecida como um dos Kibutz Urbanos de maior sucesso, além de referência internacional do veganismo.

Veganismo e os tradições da religiosas dos Hebreus Africanos

Os Hebreus Africanos, ao longo desses anos em Israel, conseguiram preservar tanto a sua fé quanto suas tradições religiosas.
Ben Ammi, entre muitos ensinamentos, orientava seu povo a uma dieta que, provavelmente, seja a marca registrada desta comunidade. Seguindo as orientações de Deus em Gênesis, os Hebreus Africanos têm uma dieta exclusivamente vegana.

E disse Deus: Eis que vos tenho dado toda a erva que dê semente, que está sobre a face de toda a terra; e toda a árvore, em que há fruto que dê semente, ser-vos-á para mantimento. Gênesis 1, 29,

No entanto, as orientações quanto a sua alimentação não acabam por aí. A ingestão de açúcar e sal não são recomendadas e, todo sábado, os maiores de 13 anos só podem ingerir água. Além disso, quatro semanas por ano, nas passagens das estações, visando a uma limpeza do corpo, todos adotam uma dieta crudívora. Isto é, só de alimentos crus.

Durante a Pandemia do Corona, até a publicação deste post, Kfar HaShalom foi a única comunidade em Israel a não ter nenhum contaminado. Muitos creditam este dado a dieta e estilo de vida local.

Em relação as escrituras, além de se basear na obra de seu líder espiritual, eles também seguem o Novo e o Velho Testamento, dando maior santidade ao segundo.

Pode-se ver muitos de seus membros com estrelas de David, Menoras, vestindo Talit e Tzitzit. O Shabat deles têm uma liturgia próxima ao dos judeus.

Outro ponto de destaque dentro deste grupo era a permissão à poligamia até 2013, casmentos organizados, e a proibição aos métodos contraceptivos.

Por fim, a vestimenta também é algo muito importante ao grupo. Idumentárias de couro são terminantemente proibidas e as roupas têm que ser 100% de algodão. No entanto, para este último, uma concessão muito importante foi feita.

As Festividades Religiosas

Em relação as festividades religiosas, os Hebreus Africanos seguem todas as indicadas no Velho Testamento, ou seja, Pessach, Shavuot, Sucot, Yom Kipur e Rosh HaShana. Ou seja, Purim e Chanuka não são celebrados.

No entanto, há ainda uma celebração única deste grupo. O Pessach Real. Nesta festa no mês de Nissan, eles celebram a chegada do povo em Israel depois de anos nos EUA.

Conheça os meses do calendário judaico.

A Estrutura Religiosa

A sociedade dos Hebreus Africanos é divida de maneira bem simples. Abaixo do líder espirtual, que pode legislar em qualquer área, há príncipes, que servem como conselheiros espirituais e sociais, junto com ministros, que são os responsáveis pela parte administrativa da comunidade.

O sacerdote, por sua vez, atua como um pastor ou rabino, gerenciando os serviços religiosos, organizando o Shabat, as festividades e afins.

Na base da pirâmide, encontram-se os “coroados” que têm como trabalho a supervisão dos demais membros da comunidade e atuam também prestando serviços nas rezas e encontros.

Os Hebreus Africanos no Israel Moderno

Hoje em dia, os membros da comuidade já estão totalmente absorvidos dentro da sociedade israelense. Com as novas gerações fluentes em hebraico, já se pode notar, inclusive a presença de membros da comunidade no Exército Israelense desde 2004, com Uriahu Butler sendo o primeiro deles.

E foi exatamente a relação da comunidade com o exército que motivou a alteração pontual de uma de suas tradições.

Apesar de ser vedado o uso de roupas que não sejam 100% de algodão, pensando também na segurança, a comunidade aceitou que seus membros usassem a farda tradicional do exército. Em contrapartida, o exército possibilitou o uso de um calçado que não fosse de couro e disponibiliza aos soldados a possibilidade de adoção de uma dieta vegana.

A presença desta comunidade em outros segmentos da cultura local também é bem nítido. Além de ter um musical próprio, o “Músicas da Liberação”, cantores Hebreus Africanod já representaram Israel na maior competição internacional de música mais importante da Europa, o Eurovision, como pode-se ver no vídeo abaixo.

Caso você tenha interesse em visitar Kfar HaShalom e conhecer os Hebreus Africanos enquanto estiver de visita em Israel é muito fácil. Você pode fazer o contato direto com a comunidade por aqui, ou pedir ao seu guia, que dessa forma irá acrescentar ao seu roteiro.

Leia mais curiosidades sobre a sociedade israelense.

Ilan Administrator
Guia de Turismo

Em Israel desde 2018, é nativo do Rio de Janeiro. Guia de turismo formado, tenho formação em Biologia e Marketing. Apaixonado por Israel e pela Natureza

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