Guerras com um fundo ou propósito religioso estão presentes na história humana há milênios, contudo, a história por trás da Guerra da Crimeia, que ocorreu entre 1853 e 1856, é uma das mais interessantes de todos os tempos,. Este conflito em território europeu, envolvendo as suas principais potências, Rússia, Inglaterra, França e o Império Otomano, teve como o seu estopim divergências na Terra Santa, há milhares de quilômetros de distância.
Seria leviano acreditar que desavenças em Jerusalém e Belém foram os únicos motivos que levaram a guerra, no entanto, tiveram sim um papel importante. Contudo, para entender um pouco desta complexa trama pelo poder, é preciso começar a compreender como o mundo estava organizado neste momento, bem como a situação interna e externa dos principais articuladores desta época.
O Império Otomano
Outrora uma grande potência mundial, na década de 50 do século XIX o Império Otomano era apenas grande, não mais forte. Suas vastas fronteiras guardavam dentro de seu território revoltas, brigas internas e uma grande dificuldade de manutenção do poder, ainda mais com os demais países europeus seguindo, cada vez mais, ideais imperialistas e com uma forte política expansionista.
Neste período, o Império Otomano era chamado de un homme malade, ou seja, um homem doente, pelas outras potências europeias devido a sua fragilidade.
Desde 1804, inúmeras revoltas internas, como a a Revolução Sérvia, a Guerra de Independência Grega, a insurgência de Muhhamad Ali no Egito, além de confrontos externos, deixaram o exército Turco em frangalhos. Eles não conseguiam mais manter a paz em seu território e, muito menos, ter o controle, como outrora, do tráfego de navios comerciais extrangeiros nos estreitos do Mar Mediterrâneo e Negro, rotas comercias importantíssimas que ajudavam ao império enriquecer e manter o seu poder. Em alguns momentos deste período, se não fosse o apoio extrangeiro da Russia, Inglaterra, Áustria e Prússia, sua capital Constantinopla teria sido conquistada.
Este auxílio das potências Européias, apesar de terem salvo o Império Otomano da destruição, veio com um porém. Os turcos perdiam, nesse momento, a sua independência na política externa. Contudo, a manutenção de um Império Otomano forte era de extremo interesse a Áustria, Inglaterra e França para não permitir que a Rússia tivesse acesso direto ao Mar Mediterrâneo, principalmente após a conquistas russa na região.
Nicholas I
Outro importante fato acontecia concomitantemente, mas na Rússia, que iria influenciar muito a relação do Império Otomano com seus vizinhos europeus.
Em 1825, Nicholas I tornou-se o Czar Russo e, também, o líder da Igreja Oriental Ortodoxa. Sendo um rei de grande devoção aos príncípios sacros, ele via a ele mesmo como um lider e defensor da ordem divina, bem como o protetor dos Cristãos e de seus locais sagrados.
Poema de Gavrila Románovich Dierjávin, um dos mais relevantes e admirados pela nobreza Ortodoxa Russa desde o final do Século XVIII
Para avançar através de uma cruzada,
Para purificar o rio Jordão,
Para libertar o Santo Sepulcro,
Para devolver Atenas aos atenienses,
Constantinopla para Constantino
E restabelecer a Terra Santa de Jafé.(de acordo com as crônicas medievais russas, a terra de Jafé foi estabelecida pelo povo Rus, que futuramente daria origem a Rússia).
E, não demorou muito para que o Czar Nicholas I juntasse os seus anseios religiosos com a política imperialista russa, tendo em vista a grande fragilidade dos Otomanos. Contudo, esses desejos não passavam despercebidos na Europa. Franceses e britânicos receavam que a Rússia ganhasse território e poder as custas deste enfraquecimento Otomano.
Napoleão III
Se na Russia entrava no poder um Czar com grande viés religioso, na França, Napoleão III via na proteção à Igreja Católica, dos seus fiéis e lugares sagrados uma forma de se fortalecer.
O sobrinho do grande Napoleão Bonaparte, Napoleão III, foi o primeiro presidente francês eleito por voto direto. Entretanto, foi impedido de concorrer a um segundo mandato pela constituição e parlamento, organizando um golpe em 1851 e assumindo o trono como imperador no final do ano seguinte. Dessa forma, ele precisava de todo o apoio possivel para se sustentar nessa posição de maneira sólida se declarar Imperador. E o suporte dos Romanos Católicos era um dos principais.
Logo, era de sumo interesse de Napoleão III se promover como o protetor dos Cristãos e dos lugares sagrados da Terra Santa.
Contudo, havia um grande problema no meio do caminho, o Império Otomano e todos os acordos firmados pelos Sultões desde meados do Século XVIII que deixavam uma grande ambiguidade sobre quem deveria estar encarregado sobre esta responsabilidade.
Nicholas I vs Napoleão III
Os pontos de atritos entre ambos soberanos de seus países não terminavam na questão religiosa.
Além de todo o receio francês, bem como britânico, dos intuitos russos em atacar os turcos por sua nova política imperialista, havia um conflito de ordem pessoal entre ambos.
O Czar, em correspondência a Napoleão III, diferentemente dos demais líderes mundiais, dirigiu-se a ele como mon ami (meu amigo) e não mon frère (meu irmão), o que foi interpretado por ele como um enorme insulto, o que dificultaria ainda mais qualquer solução amigável e diplomática entre as partes num futuro próximo.
Os Cristãos no Império Otomano
E é dessa forma e nesse momento que a Terra Santa, principalmente Belém e Jerusalém, além dos mais de 15 milhões de cristãos sob o domínio turco, entram na história.
Por mais que como pano de fundo a Rússia tivesse intenções expancionistas em começar esta futura guerra, a causa imediata envolvia o direito das minorias cristãs na Terra Santa e o controle dos locais sagrados, como o Santo Sepulcro, em Jerusalém, e a Igreja da Natividade, em Belém. Russos e franceses pressionavam, a seu modo, Constantinopla para saber quem estaria no comando e quem seriam os privilegiados por tal. Ou os Católicos Romanos, pelos franceses, ou os Ortodoxos, pelos russos.
Este era apenas mais um capítulo da eterna disputa entre os Ortodoxos e os Católicos Romanos.
Cronologia
Depois de séculos sob o domínio de diversas dinastias árabes, em 1517, os Otomanos conquistaram Jerusalém e, consigo, ganharam o controle sobre inúmeros locais sagrados ao Cristianismo, bem como milhões de habitantes que profetizavam esta fé, principalmente da designação Ortodoxa.
Três anos mais tarde, em 1520, os Reis Francisco I, da França, e Henrique VIII, da Inglaterra, acordavam entre si qual rei cristão deveria ser responsável pela pretenções Católicas na região da Terra Santa, com os franceses assumindo esta responsabilidade.
14 anos após, Henrique VIII fundaria sua própria igreja, a Anglicana
Contudo, foi apenas mais de 100 anos depois, em 1690 que o Sultão Otomano Solimão II veio a, efetivamente ,confirmar a tutela e a autoridade da Igreja Católica sobre as Igrejas em Nazaré, Belém e Jerusalém. Este acordo viria a ser renovado 50 após, entre o Rei Luís XV e o Sultão Mamude I, com um tratado que declarava que não somente os monges católicos Romanos deveriam ficar a cargo dos lugares sacros, como assegurava uma peregrinação tranquila aos fieis e o direito à França a reconstruir o telhado do Santo Sepúlcro, agora como uma igreja Católica Romana.
Segundo a lei Otomana da época, quem tivesse a posse sobre o telhado, era o proprietário do local.
No entanto, os soberanos não contavam que a influência da Igreja Católica Romana iria, ano após ano, enfraquecer na região, principalmente pelo baixo números de fiéis. Com isso, gradualmente, os lugares santos foram sendo transferidos à autoridade dos monges Ortodoxos levando a assinatura de dois tratados, ou Firman, como são chamadoss em turco, nos anos de 1757 e 1774, este conhecido como o tratado de Kutchuk-Kainarji, que davam ao império russo o direito à proteção da Religião Cristã dentro de todo o Império Otomano.
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Com o passar dos anos e o progressivo enfraquecimento de Constantinopla, o religioso Czar Nicholas I viu a grande oportunidade de usar todo o seu poder para solicitar formalmente a proteção dos Cristãos Otomanos. O Czar considerava ele próprio como o real protetor dos lugares sagrados da Terra Santa, e não gostava de ver as pretenções Católicas Romanas, sobre a proteção francesa. Não apenas o dinheiro russo mantinha os templos por séculos, durante controle Otomano, mas também milhares de peregrinos russos peregrinavam, devotamente, por anos à Terra Santa.
Em 1850, os Otomanos enviaram a França um diplomata com as duas chaves da grande porta da Igreja da Natividade aos representantes da Igreja Católica. Ao mesmo tempo, Constantinopla enviava, secretamente, um documento aos russos assegurando que as chaves enviadas não entravam na fechadura.
Contudo, em 1852, o jogo virou em favor dos Católicos Romanos. O Sultão Abdulamide I, educado na França, voltou a validar os acordos firmados com os Católicos Romanos em 1740. E foi nesse momento que a frágil estabilidade da região começou a desandar.
Nicholas I confrontou Abdulamide I com os tratados de 1757 e 1774, fazendo-o cancelar o acordo feito com os franceses, deixando assim Napoleão III furioso, que começou a exigir que suas demandas fossem cumpridas a partir demonstrações de força. A pricipal delas foi enviar um dos seus principais navios de Guerra, o Charlemagne (Carlos Magno) ao estreito de Dardanelles, no Mar Negro.
O Charlemagnem era o principal navio de guerra francês com 90 canhões.
Esta intimidação fez com que, novamente, os Otomanos mudassem de lado, confirmando os Franceses e a Igreja Católica Romana como a responsáveis pelos Cristãos e dando a eles a autoridade sobre lugares sagrados.
Czar Nicolau I não estava disposto a aceitar a decisão do Sultão, considerando-a uma afronta aos milhões de Cristãos Ortodoxos no território Otomano, e impôs que a determinação fosse revogada, nem que para isso ele tivesse que usar sua força.
Os Otomanos não tinham interesse na manutenção do conflito Franco-Russo que estava a acontecer nos seus territórios e, com isso, o Sultão estabeleceu uma comissão para examinar os pedidos de ambos os lados. A França sugeriu que ambas denominações deveriam ter um controle conjunto dos lugares sacros. Esta proposta levou a um alvoroço na Rússia e depois a um impasse. Contudo, no final de 1852, os franceses conseguiriam o controle total dos Lugares Santos. Isso foi visto pelos russos como um desrespeito ao seu prestígio e política. Além disso, o Czar via os Otomanos, já fragilizados, perdendo o poder a um outro país, o que feria os interesses russos de ter o controle sobre esta região do Oriente Médio.
Contudo, visando ainda uma resolução pacífica, em 1853, a misão Menschikov chegou a Constantinopla vinda da Russia. Menschikov era um soldado e diplomata que tinha com o objetivo de coagir o Sultão a dar concessões Russas dentro do Império Turco.
Neste período, o Sultão já enfrentava outros inúmeros problemas internos, além da crise pelos Lugares Santos. Menschilov dise aos oficiais otomanos que ele estava insatisfeiro com o tratamento dado a Igreja Ortodoxa e a seus fiéis. Dessa forma, para retomar uma boa relação entre as duas nações, deveria ser aprovado um acordo solene para que os russos possam reparar as queixas dos súditos cristãos na Turquia. Neste acordo, Menschikov demandou o estabelecimento de um Protetorado Russo sobre todos os locais relacionados a Ortodoxia, bem como sobre seus fieis no Império Otomano, o que abrangeria algo como 10 milhões de ortodoxos – Gregos, búlgaros, albanianos, moldavianos, valaquianos e sérivos – e outros 3 mihões de outros cristãos – armênos, georgianos e outras minorias.
As demandas russas levaram medo a Constantinopla de que a independência do Império estiversse sobre ameaça, com isso, o Sultão apelou por ajuda aos grandes poderes da Europa Ocidental, os rivais França e Inglaterra.
Tanto Franceses quanto Britânicos temiam que as reais intensões do Czar fossem dominar o Império Otomano e, com isso, conquistar uma posição estratégica nos Bálcãs. O próprio Czar chegou a insinuar que teria que dominar Constantinopla em algum momento para resolver a questão.
Por conta da política britânica e seus interesses na manutenção da integridade do Império Turco, seus representantes em Constantinopla encorajaram o Sultão a recusar qualquer demanda czarista. E o Sultão assim fez.
Em maio de 1853, Menschikov percebeu que não teria qualquer tipo de sucesso em Constantinopla e retornou a São Petersburgo para informar ao Czar a situação. Sentindo-se humilhado, o Czar decidiu testar a força do Sultão, bem como as reais intenções britânicas em deter alguma invasão russa. No final do mesmo mês, Nicholas I deu um ultimado a Abdulamide I.
Cumprindo com sua palavra, no dia 3 de Julho de 1853, os russos invadiram os principados Otomanos do Rio Danúbio, Moldávia e Valáquia.
A invasão russa deixou o clima interno no império Otomano ainda mais tenso. O Sultão sofria pressão, tanto de nacionalistas, como de líderes religiosos muçulmanos, estes com medo de que os russos iriam destruir as mesquitas e construir igrejas sobre elas, similar ao que eles fizeram na Igreja Ortodoxa de Hagia Sofia, que fora convertida de uma Igreja Ortodoxa numa Grande Mesquita.
Em Setembro, manifestações ao longo do Império Otomano conclamavam a uma guerra santa contra a Rússia. Estudantes religiosos enviaram ao Sultão declarações indicando que eles estavam a sacrificar suas vidas em prol desta guerra. A cartada final ocorreu quando líderes muçulmanos religiosos se encontrarem com o Sultão e o deram um ultimato, declarar guerra ou adbicar.
Diante de tanto pressão, o Sultão, contando com a promessa de que França e Inglaterra iriam prestar apoio bélico, declara guerra a Rússia em 5 de Outubro. Começava, então, efetivamente, a Guerra da Crimeia.
Disputas
A Terra Santa nunca este livre de disputas religiosas desde que ganhou tal título. Neste período da história, meados do Séc XIX, ela era parte do Império Otomano que, mesmo sendo muçulmano, abrigava minorias judaicas e cristãs. Contudo, estes critãos não eram homogêneos, sendo dividos em algumas denominações.
A Igreja Oriental Ortodoxa e a Católica Romana eram os principais destes ramos da Cristandade, divididos assim desde a Grande Cissma do Oriente, ocorrido em 1054. Infelizmente, estas denominações nunca conseguiram trabalhar bem conjuntamente, isso quando não entrevam em conflitos, inclusive dentro de lugares sagrados.
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Neste período, por mais que a Igreja Católica Romana já fosse maior em número de fieis que a Ortodoxa no âmbito mundial, ela tinha poucos representantes nesta região globo. Fato que fez com que o Patriarca Católico de Jerusalém não tivesse qualquer responsabilidade sobre o local e residisse, inclusive, em Roma. Porém, esta situação começa a mudar a partir de 1845, quando o Patriarca Ortodoxo de Jerusalém, Cyril II, que também não residia na cidade, muda-se para lá. Pressionados, os Católicos enviariariam Giuseppe Valerga em 1847, sendo este o primeiro Patriarca Católico de Jerusalém a residir na cidade desde o fim das Cruzadas.
E todo esta agitação nos altos postos da Igreja não poderiam de deixar de reverberar no baixo clero.
Os peregrinos chegavam na Terra Santa de toda Europa Oriental, bem como do Egíto, península grega e região da Anatolia, porém, majoritariamente da Rússia. Em 10 de Abril de 1846, eles eram aproximadamente 20 mil em Jerusalém. Neste ano, fatidicamente, a páscoa Católica e Ortodoxa cairam no mesmo dia, algo raro de se acontecer, deixando os locais sagrados ainda mais lotados e tensos, pois, as duas comunidades estavam há muito tempo discutindo quem deveria conduzir os rituais no altar do Calvário na Igreja do Santo Sepúlcro, no local onde a cruz de Jesus fora inserida sobre a rocha.
Nos anos recentes, a richa entre os dois sectos era tão grande que o governador turco de Jerusalém havia, inclusive, posto uma uma guarnição de soldados dentro da Igreja. Isso, todavia, não era o suficiente para conter os motins.
Nesta Sexta-feira Santa, os Católicos encontraram os Ortodoxos com o altar montado e demandaram que os eles apresentassem o Firman do Sultão que liberasse eles a montarem o altar primeiro. Os Ortodoxos, por sua vez, pediram para ver o Firman que indicava que o altar deveria ser removido. Com isso, uma batalha começou.
Monges, padres e peregrinos, de ambos os lados, transformaram a igreja num campo de batalha. Nesta luta, além dos punhos, crucifixos, candelabros, cálices, lâmpadas, quemadores de incenso e, inclusive, pedaços de madeiras de locais sagrados eram usados como armas. Além de facas e pistolas contrabandeadas para dentro do Santo Sepúlcro.
Após a batalha ser contida pela guarda Otomana, contabilizavam-se 40 corpos no chão da igreja.
As brigas, no entanto, não se restringiam apenas a Jerusalém. Na Igreja da Natividade, em Belém, elas também eram recorrentes.
Por anos os sectos disputavam quem deveria ter a chave da igreja principal – a qual os Ortodoxos eram os guardiões – para que pudessem chegar a Capela da Manjedoura, esta de domínio Católico.
A posse da chave da Gruta da Natividade, a antiga caverna onde Jesus nasceu, também gerava atritos, além do debate sobre uma estrela de prata adornada com o brasão francês e com o escrito em latim Hic de Virgine Maria Jesus Christus natus est (Aqui Jesus Cristo nasceu da Virgem Maria) que fora fixada ao chão de mármore, no suposto local da natividade, e seu posterior furto, em 1847, o qual os Ortodoxo foram acusando pelo crime.
Nos anos seguintes, a rivalidade só aumentava, principalmente com o rápido crescimento do número de peregrinos que chegavam a região. Ferrovias e barcos a vapor ajudavam a trazer fiéis Católicos da França e Italia, além das Américas e estes, por sua vez, criavam missões, escolas e monastérios para tentar converter cristãos ortodoxos Sírios e Libaneses, maioria na região e os menos educados, para assim aumentar seu contingente na região, contundo, deixando a relação entre as igrejas ficasse cada vez mais tensa.
Mas, por mais que os Católicos fizessem grande esforço para ter alguma representatividade na região, a Igreja Russa continuava a enviar a Jerusalém um maior peregrinos, com mais de 15 mil fiéis visitando anualmente a Tessa Santa anualmente, alguns, inclusive, vindo a pé da região do cáucaso. Este volume de peregrinos fazia alguns deles não se reconhecerem estrangeiros enquanto em Jerusalém, como alguns russos chegaram a registrar em correspondências da época.
Ao mesmo tempo, em contrapartida, os ainda poucos peregrinos Católicos que se aventuravam por esta região a devoção ortodoxa com desdém, sendo algo bárbaro e repleto de superstições degragrantes, como o caso da cerimônia do Fogo Santo, onde devotos tentavam, e ainda tentam nos dias de hoje, ascender suas velas com o fogo sagrado levando a inúmeras cenas de desordem e profanação.
Toda esta tensão local, em conjunto com o que acontecia no ponto de vista diplomático entre as potências envolvidas, não deixavam muita margem as negociações. Dessa forma, em pouco tempo, os conflitos de Jerusalém e Belém escalonaram de certa forma a começarem uma efetiva Guerra entre as principais nações do mundo nesta época.
Início da Guerra
Neste período, após o fim da Revolução Industrial e com a maioria dos países enriquecendo cada vez mais sem a existência de nenhuma guerra na região, ninguém tinha interesse em começar uma guerra por conta de um mal-entendido. Dessa forma, convocaram a Conferência de Viena de 1853, que foi atendida pela Rússia, Império Austro-Húngaro, Prússia, Otomanos, Grã-Bretanha e França visando acalmar a situação e levando a produção da Nota de Viena. Neste documento dizia que o Czar deveria deixar os territórios invadidos, porém, a Rússia, como protetora da Igreja Ortodoxa, teria poder de proteção nominal sobre os Cristãos Ortodoxo e lugares sagrados dentro do Império Otomano.
Houve uma resposta positiva a Nota de Viena e os russos concordaram em deixar os territórios ocupados.
Contudo, em Outubro de 1853, o Sultão rejeitou a Nota e declarou guerra a Rússia, principalmente pelo fato dos britânicos terem assegurados que defenderiam os Turcos caso fossem invadidos pelos russos.
Foi neste momento, efetivamente que a guerra começou e de uma maneira catastrófica aos Otomanos. Os turcos tiveram uma derrota massiva em Sinope, o que deixou os seus aliados realmente preocupads com o rumo desta guerra.
A região da Crimeia, em 1783, já havia sido conquistada pelos Russos, sendo esta a primeira vez que os Otomanos perdiam território aos Cristãos, seja de qualquer secto.
Além dos motivos supracitados que davam aos franceses razões para entrar na guerra, Londres, sob o controle da Rainha Vitória, temia que um controle russo de Constantinopla, bem como dos estreiros de Bósforo e Dardanelos interferíssem em suas rotas de comércio, principalmente com a Índia.
No início de 1854, os franceses, bem como os ingleses, enviaram suas embarcações de guerra ao Mar Negro e, em março, declaram guerra à Rússia. Nesse momento o jogo vira contra aos russos. Porém, os Otomanos também não sairiam vitoriosos dessa guerra, pois, perderiam a autonomia que tinham no Mar Negro, bem como abririam, definitivamente, as portas de Jerusalém.
A verdade, dizem os historiadores, é que Nicholas I não tinha interesse em começar efetivamente uma guerra e, muito menos, imaginava uma cooperação entre os arqui-inimigos França e Inglaterra batalhando contra eles. Ele acreditava que, fazendo essa pressão, conseguiria dar conta de seus planos de proteção à sua Igreja. Contudo, o Czar não chegou a contemplar os resultados finais da guerra.
Nicholas I morre em março de 1855, poucos meses após o Reino da Sardenha se juntar aos aliados, deixando o trono a seu filho Alexander II que conduz a Rússia numa desastrosa campanha bélica até Fevereiro de 1856, quando um armistício é assinado seguido por um acordo de paz em março com o Tratado de Paris.
Fim da Guerra
Depois de uma atordoante incopetência militar por todos os lados numa campanha que custou 750k vidas, sendo mais de 500 mil de soldados russos, e a maioria em decorrência de doenças e má-nutrição, o novo imperador da Rússia, Alexandre II, buscou a paz, abrindo mão das ambições imperiais de seu pai sobre Jerusalém, mas ganhando, ao menos, a restauração dos direitos dominantes dos ortodoxos no Sepulcro, situação que dura até hoje.
A Guerra da Criméia foi um dos primeiros conflitos militares a usarem de tecnologia moderna, como projéteis navais explosivos, ferrovias e telégrafo, bem como foi uma das primeiras a ser bem documentadas a partir de relatos escritos e fotográficos.
Em 14 de abril de 1856, os canhões de Jerusalém saudaram a assinatura de paz, com a guarnição local celebrando a vitória do sultão sobre os russos no mesmo local que, ironicamente, poucos anos depois, Alexander II compraria as terras para construir o Complexo Russo, Moskobia. Alexander II passava, então, a buscar um domínio cultural da região, incentivando, ainda mais, a peregrinação russa com a construção, neste complexo de uma hospedaria, hospital, capela, escola e um mercado para dar suporte aos seus inúmeros peregrinos. Este complexo, por sinal, ainda pode ser visto na Jerusalém moderna, próximo a Prefeitura local, a poucos minutos de caminhada da Cidade Velha
A vitória otomana, no entanto, foi agridoce. O sultão viu seu frágil império islâmico sendo salvo por soldados cristãos. No entanto, para mostrar sua gratidão e manter o Ocidente à distância, sem mais conflitos com fundo religioso, o sultão Abdulmecid, tomou as medidas conhecidas como Tanzimat, uma séria de reforma, que, entre outras coisas, decretava a absoluta igualdade para todas as minorias, independentemente de religião, cessando, inclusive, com o pagamento de taxas por não muçulmanos e permitindo que os europeus começassem a construir ainda mais igrejas e edifícios cristãos em Jerusalém.
Como presente a Napoleão III pelo auxílio, o Sultão deu a igreja de cruzada de Santa Ana aos franceses, esta uma das construções desta época melhor preservada em todo Israel, após ter servido como madraça de Saladino.
O Acordo de Paris
O Acordo de Paris, assinado em 30 de Março de 1856, ajudou a preservar o Império Otomano até 1914, quando, com a I Guerra Mundial, foi derrotado perdendo o controle da região da Terra Santa para os bretãos, e vendo todo o restante do império se fragmentar.
Pelos os termos do acordo, além da Rússia devolver os principados do Rio Danúbio, ela não poderia ter qualquer tipo pretensão sobre a região balcânica, nem construir qualquer base naval no Mar Negro. Contudo, o fato mais importante, foi a retificação e reconhecimento, pelo Artigo IX do tratado do Status quo de 1757, que permanece assim até os dias de hoje.
Artigo IX
Tendo Sua Majestade Imperial o Sultão, em sua constante solicitude pelo bem-estar de seus súditos, emitido um Firman, que, ao melhorar sua condição sem distinção de Religião ou de Raça, registra suas generosas intenções para com a população cristã de seu Império, e desejando para dar mais uma prova de seus sentimentos a esse respeito, resolveu comunicar às Partes Contratantes o referido Firman, emanando espontaneamente de sua vontade soberana.
As Potências Contratantes reconhecem o alto valor desta comunicação. Fica claro que não pode, em qualquer caso, dar às ditas Potências o direito de interferir, coletiva ou separadamente, nas relações de Sua Majestade o Sultão com seus súditos, nem na Administração Interna de seu Império.
Status quo
O status quo é originado de um firman do Sultão Osman III em 1757, assinado por conta da tomada do controle de Igrejas controladas por Monges Franciscanos por cristãos ortodoxos no mesmo ano. Posteriormente, outros dois Firmans foram publicados, em 1852 e 1853 afirmando que nenhuma alteração poderia ser feita nesta divisão sem que houvesse um concenso entre as seis denominações religiosas.
Hoje em dia, seguindo as diretrizes propostas por estes documentos, por exemplo, os principais locais dentro do Santo Sepúlcro são divididos ou controlados exclusivamente pelas comunidades Grega Ortodoxa, Latina ou Armena.
Esta divisão entre os sectos, no entanto, ainda geram alguns conflitos e histórias e, principalmente, lendas nos dias de hoje. A mais famosa delas é em relação a posse da escada de madeira que se localiza na fachada do Santo Sepúlcro, porém, a que atinge mais aos fiéis é em relação a divisão dos custos de manutenção da Igreja.
Um bom exemplo é que nenhuma das Igrejas quer assumir os custos pela compra de papel higiênico aos sanitários do templo. Logo, qualquer fiel que pensa em usa-lo, independente de credo, se vê muito prejudicado.
Contudo, acredito que é de senso comum que vale mais a pena um turista carregando uma pequena porção de papel higiênico em sua bolsa do que uma nova guerra com fundo religioso assombrando o mundo novamente.
Fontes:
https://www.history.com/topics/british-history/crimean-war
https://victorianweb.org/history/crimea/immcauses.html
https://www.historytoday.com/archive/months-past/crimean-war
https://archive.nytimes.com/www.nytimes.com/books/first/r/royle-crimea.html
http://www.fsmitha.com/h3/h47-crimea2.htm
Livros:
Crimeia: A história da guerra que redesenhou o mapa da Europa no século XIX
Em Israel desde 2018, é nativo do Rio de Janeiro. Guia de turismo formado, tenho formação em Biologia e Marketing. Apaixonado por Israel e pela Natureza
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