Provavelmente, você nunca ouviu falar da cidade de Ghajar. Ela não é sagrada a nenhuma religião. Tampouco, não há praias, rios ou qualquer outra atração turística. No entanto, ela é uma cidade única em decorrência da sua história recente.
O nome Ghajar vem do árabe para cigano. Provavelmente, este seja o melhor nome possível para descrever a história recente da cidade e seus moradores.
A Guerra dos seis dias
A Guerra dos Seis Dias é considerada por muito como umas das maiores façanhas militares da história moderna. Israel, sozinho, conseguiu derrotar seus vizinhos – Jordânia, Egito e Síria -, que contavam com grande apoio soviético. Nesta guerra, Israel não somente reunificou a sua capital Jerusalém, como também conquistou a Faixa de Gaza e o Deserto do Sinai, do Egito; a Cisjordânia, da Jordânia; e as Colinas do Golan, da Síria. É nesse momento que começa a confusão que na qual a cidade de Ghajar está envolvida nos dias de hoje.
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Com duração de 6 dias, como seu nome diz, o conflito contra a Síria só aconteceu nos dois últimos. Isto é, dia 9 e 10 de Junho de 1967. Israel estava muito reticente de invadi-la, principalmente pelo fato dela ser uma das principais aliadas soviéticas na época. No entanto, por conta de uma grande pressão interna, Israel acabou cedendo e, por fim, conquistando este território de extremo valor estratégico.
Caso você não tenha percebido, o Líbano não entrou neta Guerra. E Israel tampouco queria que mais um país se juntasse ao conflito. Dessa forma, durantes seus ataques na região do Golan, o país tomou muito cuidado para não adentrar dentro das terras libanesas. No entanto, ele tomou cuidado até demais.
Ao capturar o Golan, eles deixaram a cidade Síria de Ghajar de fora da conquista. Por imprecisão dos mapas da época, os Israelenses acreditavam que ela era uma cidade libanesa. Dessa forma, a cidade esta pequena cidade ficou isolada. Ela tornou-se um enclave sírio na fronteira entre Israel e Líbano.
Pós Guerra
Com o fim da guerra a poeira começou a baixar e os cidadãos de Ghajar se viram numa situação ímpar. Após dois meses e meio eles estavam totalmente isolados e esquecidos. Nenhum país tinha controle efetivo sobre a pequena cidade, então com 300 habitantes.
Israel, havia a separado da Síria. O Líbano, por sua vez, não queria aquela cidade em seu território. Ela pertencia ao seu vizinho e aliado. Além disso, seus moradores eram alauitas, uma vertente do islamismo característica da Síria. Em nada se encaixavam com a população local. Dessa forma, eles se encontraram num limbo geográfico, a 10 km da nova fronteira entre Israel e seu país de origem.
Foi nesse momento que a situação tomou um rumo ainda mais surpreendente. Israel e Síria são inimigos desde a criação do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948. Animosidades sempre ocorriam na fronteira. Desse modo, jamais se imaginaria que os Sírios de Ghajar pudessem requisitar o domínio Israelense sobre o local. Mas foi isso o que ocorreu.
O líder da cidade de Ghajar, com uma bandeira branca, procurou o comando israelense em Quneitra pedindo pela anexação. Ele solicitava que a cidade começasse a receber a atenção da nova administração, imediatamente.
Entre 67 e 78
Para entendermos a continuidade desta história, é preciso fazer um pequeno resumo dos acontecimentos num período de 11 anos. Nesse ínterim, a OLP – Organização pela Liberação da Palestina – começou a criar força dentro do Reino da Jordânia, principalmente em decorrência do alto número de refugiados palestinos que o país abrigava.
Em 1971, no entanto, muitos destes refugiados foram expulsos da Jordânia, principalmente por conta dos atentados terroristas que perpetuavam e a instabilidade política que levavam ao reinado.
Após a saída da Jordânia, a OLP se estabeleceu no Sul do Líbano. De lá, voltaram a atacar Israel.
De 78 a 2000
Israel, vítima de muitos ataques da OLP oriundos do Líbano, invadiu o sul deste país duas vezes, 1978 e 82. Na segunda vez, permanecendo até 2000. É neste momento que a cidade de Ghajar volta aos holofotes.
Em 1981, todos os moradores de Ghajar receberam a cidadania israelense.
Com a presença israelense no sul do Líbano, a cidade prosperou e cresceu, no entanto, ela se expandiu na direção Norte, para dentro do território libanês ocupado. Neste local, criou-se o que hoje é conhecida como a área de Wazzani.
O grande problema, no entanto, foi com a retirada isralense em 2000, sob o governo de Ehud Barak. Israel retornou às fronteiras pré guerra, seguindo a Linha Azul que demarcava a fronteira entre Israel e Líbano anteriormente. Em suma, a cidade de Ghajar ficou dividida. A nova região de Wazzani permaneceu no lado libanês e a parte antiga de Ghajar do lado israelense.
Esta divisão não ocorreu apenas na geografia, como também dentro das famílias. Dessa forma, por algum tempo, amigos e familiares encontravam-se de lados opostos da fronteira de dois países inimigos.
A 2ª Guerra do Líbano
Como não podia deixar de ser, a história não terminou com esta divisão e tudo mudou com a 2ª Guerra do Líbano. Em 2006, Israel voltou a invadir o sul do Líbano e, por conseguinte, Wazzani. Com isso, a antiga cidade de Ghajar voltou a ficar junta. Mas por quanto tempo permaneceria assim?
A saída das tropas israelenses do Sul do Líbano foi bem mais rápida que na 1ª Guerra. A tensão em Ghajar era grande. A dúvida era se a cidade permaneceria unificada, ou não. No final, Wazzani foi a única porção do território que não regressou ao controle Libanês. Apesar da pessão por parte da ONU e do próprio Líbano, a cidade continuava sob o controle israelense.
No entanto, as coisas não terminaram por aí. Israel tinha sim o intuito de sair de Wizzani, o que causava muita preocupação dentro da cidade. Os cidadãos se identificam com Israel. A maioria tinha o interesse de continuar junto no país, principalmente por terem família e amigos do lado israelense de Ghajar. No entanto, os argumentos não foram fortes o suficiente para convencer Israel na manutenção desta parte da cidade. Em 2010 a saída de Wazzani iria ocorrer.
A Guerra Civil na Síria e a cidade de Ghajar nos dias de hoje
Em 2010, a saída de Wazzani desandou. Mesmo que tudo estivesse certo para tanto, a guerra civil na vizinha Síria se intencificou. Este clima de tensão na região levou a desistência por parte de Israel de sair a área, pelo menos por este momento.
Os resultados dessa história são vistos até o dia de hoje. A entrada na cidade é permitida apenas aos moradores locais. Israelenses só conseguem visita-la mediante a aprovação militar. No entanto, seus moradores encontram-se intimamente conectados com Israel. Fluentes no hebraico, muitos trabalham nas cidades vizinhas, como Kiriat Shmone, e sua população tem a maior proporção de títulos universtários em todo o país!
A permanência, ou não, de Ghajar unificada é um ponto que talvez terá um resposta num futuro próximo. Enquanto isso, ela continua sendo esta cidade com uma história única e extremamente interessante.
Em Israel desde 2018, é nativo do Rio de Janeiro. Guia de turismo formado, tenho formação em Biologia e Marketing. Apaixonado por Israel e pela Natureza
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