A Amêndoa, a Bíblia e Israel

Caminhar pelas cidades e parques de Israel não oferece apenas a possibilidade de ver a bíblia projetada em ruínas e montanhas. Muitas vezes, numa simples plantação, ou com um fruto, pode-se entender alguma passagem ou detalhe que passariam despercebidos. Como no caso da Amêndoa, um fruto de extremo valor bíblico, tanto a judeus quanto cristão ,e de grande importância para Israel, tanto na questão cultural, econômica e na composição da paisagem.

A Amêndoa na Bíblia

São algumas as árvores citadas no Velho Testamento, mas poucas estão tão intimamente ligadas a Deus e seus milagres como a Amendoeira. Seja por estar atrelada a pactos entre o Homem com Deus, a elementos ao Templo e muito mais. E, como não poderia deixar de ser, a escolha desta planta não é atoa.

Entendendo desde seu nome em hebraico, Shaked, ao seu ciclo de floração, é possível compreender de maneira muito mais profunda o motivo destas passagens bíblicas se darem com a Amendôa, e não uma outra planta qualquer.

Ao todo, são oito citações a Amendoa na Bíblia, todas no Velho Testamento, às suas flores e a sua árvore, além de menções em outros livros sagrados e diversas tradições e simbologias.

Leia sobre outras árvores bíblicas, como a Oliveira, a Árvore de Judas, o Zaatar, a Alfarroba e a Tamarigueira de Abraão.

Gênesis

A primeira menção a esta fruta acontece em Gênesis, 43:11:

Então disse-lhes Israel, seu pai: Pois que assim é, fazei isso; tomai do mais precioso desta terra em vossos vasos, e levai ao homem um presente: um pouco do bálsamo e um pouco de mel, especiarias e mirra, terebinto e amêndoas.

Este pedido feito por Jacó indica a relevância da amêndoa na região, sendo ela um dos produtos escolhidos da Terra de Israel para que seus filhos levassem como presente à José, no Egito.

Mesmo não sendo uma das sete espécimes – Romã, Trigo, Uva, Tâmara, Figo, Azeitona e Cevada – essa passagem indica a qualidade e valor deste fruto há milênios. No entanto, o mais interessante, é que isso é verdade até os dias de hoje.

Por mais que Israel seja apenas o vigésimo país no mundo em produção de Amendôas, a sua qualidade é superior aos demais. As amêndoas israelenses são conhecidas por serem maiores, mais saborosas e terem em sua composição 10% a mais de cálcio que as provenientes de outros países.

Êxodo

O segundo momento no qual se há a mençáo à amêndoa ocorre no livro de Êxodo. Nele, é a flor da amêndoa e seus seus botões que ganham destaque. Foram eles os escolhidos por Deus para adornar a Menorah, o candelabro de sete braços do Tabernáculos.

O que é interessante é que alguns estudiosos crêem que este número de adornos na Menorah não seria meramente um acaso, dando, assim, uma representatividade muito maior no simbolismo desta planta.

Isto é, o total de representações de flores de amendoeira seria de 22, o mesmo número de letras do alfabeto hebraico. Outros estudiosos ainda vão mais longe e dizem que este número é equivalente ao total de livros do Antigo Testamento, os livros protocanônicos, segundo Jerônimo.

E, é a partir desta passagem, que se faz também uma das conexões entre Jesus e a Amendoeira. Para muitos teólogos, quando, em João 8:12, Jesus diz ser a Luz do mundo, há a indicação de que ele está substituindo a própria Menorah. Junte-se a isso o fato da amêndoa, que adorna este candelabro, representar o nacimento virginal de Jesus, segundo a tradição cristã. Dessa forma, temos uma clara conexão entre ambos, mesmo que esta planta não venha a ser citada, explicitamente, em nenhuma passagem do Novo Testamento.

Outra relação tradicional entre Jesus e a amêndoa se dá pelo fato desta noz, a parte mais saborosa do fruto, estar escondida por uma casca externa, sem muita importância aparente, tal como Jesus, que escondia sua divindade dentro da forma humana.

Números

A última menção da Amêndoa no Pentateuco acontece em Números 17:8, esta sendo, talvez, a sua referência mais conhecida, por conta de um milagre que ditaria a organização das Tribos de Israel até os dias de hoje.

O milagre em questão acontece logo após a rebelião organizada por Corá, que questiona a liderança de Moisés e Aarão, conclamando que eles haviam reivindicado a santidade para si próprios, menosprezando o restante da congregação.

Seguindo as ordens de Deus, para validar a liderança de quem ele escolhera, é orientado que Moisés receba um cajado de cada um dos líderes das tribos e os coloque a frente da Arca Sagrada. O cajado escolhido por Deus iria florescer. E é isso que acontece com o de Aarão, de onde brotam flores de amêndoa.

Este milagre comprova ao povo, depois de tanta agitação, que Aarão e seus descendentes eram sim os legítimos responsáveis pela manutenção da santidade do santuário, sendo consumados como os Sacerdotes ao povo de Israel, conhecidos também como Leviitas.

Porém, a questão que muitos levantam é o porquê flores de amêndoas? E, para isso, claro há uma explicação. Fosse qualquer outra flor a brotar no cajado, haveria uma suspeita de fraude. No entanto, a amendoeira é conhecida por ter sua floração somente entre os meses de Janeiro a Março, o que não coinscidia com o período temporal no qual a história se passava.

A Flor de Amêndoa e Aarão, segundo os sábios judeus

Segundo a tradição judaica, por conta de sua beleza, delicadeza e fragrância de suas flores, a amendoeira é relacionada ao amor. O amor que também é uma característica marcante na personalidade de Aarão, conhecido por ser um pacificador.

Dessa forma, não haveria outra flor, se não esta, a florar no cajado de Aarão. E é este sentimento que representa a relação entre Deus e o povo de Israel, cabendo ao sacerdócio, que começou com Aarão, a partir do amor, ser a amálgama entre ambos.

Jeremias

Após o milagre com Moisés e Aarão, a bíblia só cita a amendoeira novamente em Jeremias 1:11-12:

Ainda veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Que é que vês, Jeremias? E eu disse: Vejo uma vara de amendoeira.
O Senhor me disse: Você viu bem, porque eu estou vigiando para que a minha palavra se cumpra

Segundo sábios, em escritos do Talmud, este trecho, no qual Jeremias – que ao longo do seu livro iria profetizar a destruição do Primeiro Templo – tem nos seus primeiros contatos com Deus uma visão de uma vara de amendoeira, já dá a entender que todo o futuro de Jerusalém já estava traçado.

Esta conclusão  se dá pelo fato do tempo entre a desabrochar de uma flor de amendoeira e o início do crescimento do fruto no pé são de exatos 21 dias. O mesmo intervalo de tempo entre as datas de 17 de Tamuz (Destruição das muralhas Jerusalém) e nove de Av (destruição do Templo). Ou seja, as três semanas em que os romanos conquistaram Jerusalém e destruíram o templo pela segunda, e última vez, em 70 DC.

Os estudiosos da Bíblia não acreditam que haja coincidências nela e o uso das palavras, bem como seleção de elementos presentes em suas linhas tem sempre um motivo. Dessa forma, mais fatores corroborariam esta tese.

O primeiro, seria que a amendoeira é a primeira árvore a florescer, ainda no inverno, e seu nome pode ser traduzido literalmente ao português também como acordada e desperta. Isto é, ela já está desperta, antes das demais plantas, ciente do que irá acontecer no futuro, tal qual Jeremias em sua história.

Se aprofundando nas interpretações sobre a Amêndoa na Biblia

Não somente isso, nessa passagem, na versão original em hebraico, temos a mesma combinaçáo de letras aparecendo duas vezes, ש-ק-ד. Tanto para a expressão do termo Amendoeira, que se pronuncia Shaked, como para o termo Vigiando, que se pronuncia Shoked.

Esta passagem também tem grande importância a alguns Cristãos. Assim como Deus está vigiando, eles crêem que devam se manter vigilante, como amendoeiras, pois Jesus irá voltar e eles têm que estar prontos para este dia.

Como vimos, estes rabinos não acreditam que as palavras na bíblia foram escritas de maneira aleatória. Logo, para muitos deles, como Maimonedes, esta destruição do templo, por mais que seja um castigo divino, não indica que Deus não esteja vigiando pela segurança do povo judeu.

Outros, intérpretes do Velho Testamento, como Gaon de Rogatchov, ainda dizem mais sobre a amêndoa. Segundo este rabino, apesar de terem um gosto amargo no início de seu desenvolvimento, elas ficam mais adocicada enquanto se desenvole. Ou seja, a mensagem que ela passaria é que não poder se negar o amargor desses dias, mas dias doces nos esperam o povo judeu no futuro, tanto com a contrução do terceiro templo, como com a chegada de Messias.

Eclesiastes

A última referência a amêndoa na bíblia, está sem explicações mais profundas, se dá em Eclesiastes 12:5, sendo a única a mencionar a árvore como um todo, com suas flores, caracteristicamente brancas.

Como também quando temerem o que é alto, e houver espantos no caminho, e florescer a amendoeira, e o gafanhoto for um peso, e perecer o apetite; porque o homem se vai à sua casa eterna, e os pranteadore andarão rodeando pela praça;

Esta floração específica da amêndoeira, que deixa as montanhas de israel brancas, como após uma nevasca, seria a representação do envelhecimento, de uma cabeça repleta de cabelos brancos, que vem acompanhado da sabedoria.

O simbolismo da Amêndoa

Toda esta representatividade na bíblia, bem como sua ampla distribuição das margens do mediterrâneo, ao Irã, ajudaram a criar dentro das culturas locais muitos simbolismos atrelados à Amêndoa, além dos já supracitados.

Em países meditarrâneos, por exemplo, como Grécia e Itália, a amêndoa tem um grande valor simbólico durante o casamento, quando se tem o costume de dar cinco doces, de nome dragée, aos convidados, desejando que a vida deles seja doce como elas e representando, cada uma, saúde, riqueza, felicidade, fertilidade e longevidade.

Já no cristianismo, por exemplo, as representações artísticas das figuras de Jesus e Maria, esta, principalmente junto às Igrejas Ortodoxas Orientais, costumam conter uma mandorla ao redor. Este ícone, que significa amêndoa em italiano, assumoe o papel do halo, porém, ao inves de envolver apenas a cabeça, circunda o corpo inteiro.

A mandorla é observada em obras de arte do período Romaneso e Bizantino, principalmente em representações do Cristo em Majestade, onde jesus é representado sentado num trono enquanto governador do mundo. No Cristianismo Ortodoxo Oriental, por sua vez, a sua presença é mais comum em obrar que retratam passagens como a ressurreição, transfiguração e dormição de Maria.

A Amêndoa na tradição judaica

Em Israel e no judaismo, tal presença da amêndoa dentro da cultura não poderia ser diferente. Além de Shaked ser usado como um nome comum, ele também derivou outros termos no léxico local: Shakdanoot, por exemplo, é uma pessoa que estuda a Torah com perseverança e diligência.

Dentro do espectro religioso judaico, por sua vez, a amêndoa também tem um outro montante enorme de tradições e significados.

Diz a tradição, por exemplo, que quando Messias chegar, ele portará um cajado feito de amendoeira, bem como que a palavra de Deus é tão certa a se cumprir como as amendoeiras a florarem no inverno.

Outras relações também são criadas tanto entre o próprio povo judeu com a fruta e a árvore. Por exemplo, o exílio do povo judeu é tido como o amargor da fruta, mas que pode se tornar doce se o estudo das escrituras for feito com afinco; e que o povo judeu, assim como botões da amendoeira logo aparecem com o inverno, floresceu após deixar o Egito.

No entanto, a relação atual entre Israel e a amêndoa pode ser vista, principalmente, em Tu b’Shvat, o Ano Novo das Árvores

Tu b’Shvat

No dia 15 e Shvat, tu b’Shvat, os judeus celebram o ano novo das árvores, um pouco antes do início da primavera. Esta data marca o dia no qual se contabilizava os tributos dos produtos vegetais produzidos no ano anterior, na época do Templo.

Nesta data festiva, é uma tradição comer frutos específicos e a amêndos é um desses. Esse é um costume tão marcante que uma das principais músicas desta celebração canta sobre a amendoeira, que está começando a florescer neste período:

“A amendoeira está florescendo
E o sol dourado está brilhando,
Pássaros no topo de cada telhado
Anunciando a chegada do festival.

Tu b’Shevat chegou
(é) o festival das árvores.
Tu b’Shevat chegou
(é) o festival das árvores.”

Amendoeira além da Bíblia

A domesticação da amendoeira, de uma árvore com o fruto bem amargo à que vemos hoje, deu-se há mais de cinco mil anos, e, graças ao seu milenar cultivo em Israel, é muito comum ver desta árvore pelo país. crescendo de maneira selvagem, pela Galileia, Golan, Samária e Montanhas da Judeia.

A sua identificação, principalmente no período do inverno é muito simples. Estando sem folhas e com lindas flores com pétalas brancas, com suaves tons de rosa, ela se destaca no ambiente.

No entanto, suas flores belas e delicadas, escondem um segredo mortal. Seu nectar é venenoso a maioria dos insetos, com excessão da abelha, que irá fecunda-las

Após fecundadas, o fruto irá se formar e amadurecer até a época da colheira, no verão, entre julho e agosto. No entanto, tradicionalmente, os árabes apreciam muito comer a amêndoa ainda verde,  direto do pé, apreciando sua acidez. Por isso, encontra-se amêndoas in natura à venda com muita facilidade nos mercados municipais, principalmente para serem comidas ao longo do dia, como um tira-gosto.

Benefícios

E os árabes estão certos em consumi-las. Riquíssimas em cálcio, vitaminas B e E, e outros nutrientes, as amêndoas também ajudam a proteger contra doenças cardiovasculares, diabetes e pedra na vesícula.

A sua versatilidade também é grande, com seus usos não se restringindo à alimentação. Os romanos já a utilizavam à confecção de analgésicos. Hoje, no entanto, o uso médico é apenas uma pequena fração. Após o mercado alimentício, a produção de cosméticos é o principal destino das amêndoas.

Amêndoas em Israel

E toda esta conexão que existe entre Israel e as amêndoas não ficou apenas no período do Velho Testamento. Hoje em dia, Israel, mesmo com o seu tamanho diminuto, ocupa uma posição de destaque, entre os principais produtores do mundo. Contudo, esta é uma conquista recente.

Após séculos de descaso com a agricultura no país, a situação começou a mudar com a chegada dos primeiros imigrantes judeus. Financiados pelo Barão de Rotchild, eles, em busca de uma independência econômica, viam a agricultura uma boa opção.

Em 1914, a produção de amêndoas de Israel teve então o seu ápice, mas, ainda longe dos mil hectares cultivados no Sec III. Contudo, uma peste acabou com as plantações, que só iriam retornar, de maneira tímida, em 1960.

As plantações que temos hoje no país, eventualmente, começaram a ganhar fôlego a partir dos anos 80. Com a produção crescendo gradativamente, Israel teve a sua safra recorde em 2009, com quase 12 toneladas. E, nesse contexto, há uma certeza. Israel iria, em algum momento, agregar alguma tecnologia inovadora neste mercado que movimente mais de sete bilhões de dolares anualmente. E isso aconteceu. Em 2016, surgiu a start-up Edete, com uma tecnologia que otimiza a fecundação das flores, e assim, a produção de amêndoas.

E, dessa forma, vemos que uma simples amêndoa, um fruto que passaria despercebido a muitos, consegue unir tantar coisas em Israel. Velho e Novo Testamento; História moderna; Tecnologia, e muito mais. Elementos, que em outros locais estariam soltos, em Israel ganham forma e ajudam a desenvolver a narrativa histórica do país. Desde os tempos bíblicos! Detalhes como este que tornam esta terra única e atraente a todos a longo de gerações.  E, a possibilidade de aprender mais sobre este tema saboreando esta iguaria histórica, deixa tudo mais gostoso!